quinta-feira, 19 de junho de 2014

De volta ao futuro

Capa com pintura barroca para disco revivalista
Titãs voltando às raízes, ao rock acelerado e provocador que marcou toda uma geração. De repente, em meia a uma chuva interminável que acinzenta o céu e os muros das casas de Boa Vista, ouvindo Nheengatu no toca-fita bêbado de meu carro, volto no tempo. Flutuo na mesma energia juvenil que injetava um sabor todo especial a músicas como “Polícia”, “Ah, Ah, Uh, Uh” e “Bichos Escrotos”, clássicos do Cabeça Dinossauro, disco-bomba de um bando que hoje, mantido por coroas enrugados, brinca de fazer música. Nheengatu é o último do Titãs, mas bem que poderia ser o terceiro da banda, a continuação de uma linha melódica baseada em notas simples e rápidas, em letras diretas e com engajamento de black blocs, só para usar uma expressão mais moderninha. Mas, de volta ao futuro, bem vindos aos anos 80 com o novo da melhor banda de todos os tempos da última semana.

Veja o clipe oficial de "Fardado": 

Nheengatu apresenta-se impoluto como uma espécie de rara vingança de um período que insiste em não sair da cabeça dos saudosos. Se a década de 80, que muitos achincalham como uma das mais pobres musicalmente - na comparação com os anos 60 e 70 (imagine na balança com os 90 e os 00) -, continua fazendo sucesso na segunda década do século XXI, porque não tirar uma casquinha dela? O quinteto Paulo Miklos(voz e guitarra), Branco Mello(voz e baixo), Sérgio Britto(voz, teclado e baixo) e Tony Belloto(guitarra), mais o músico convidado Mário Fabre(bateria), por sinal uma grande aquisição, parece querer repetir a magia do já citado Cabeça Dinossauro(1986) e de Jesus não tem Dentes no País dos Banguelas(1987), outro trabalho marcante dos caras.


Belotto, Miklos, Britto e Mello: energia juvenil
Com ecos do punk, a eletricidade de um rock and roll despojado, viril pra caralho, os Titãs desfilam nesse álbum de inéditas, depois do mediano Sacos Plásticos(2009), um repertório de tirar o fôlego como se tocado por um grupo de adolescentes, mas devidamente formatado pela experiência. Ou seja, um álbum de garagem tocado cirurgicamente por marmanjos que sabem muito bem o que querem mostrar. O que sobrevive dessa experiência “laboratorial”? Uma música lúdica e contagiante. Os bons e velhos Titãs acertaram nesse revival, emprestando às composições um tempero oitentista tão inspirado que aos ouvidos dos mais novos pode até soar como algo inédito.


A música “Fardado”, que abre o álbum, remete melodicamente a “Polícia”, com recados parecidos nas letras. Se numa há a rejeição a truculência policial, na outra há um chamado à consciência: “Você também é explorado, Fardado. Ponha-se no meu lugar, ponha-se no seu lugar”. A molecada deve adorar. A incontida raiva de uma geração que saía para protestar com atestado de consciência sobe ao palco em “República dos Bananas”, título que se apropria dessa expressão usada copiosamente nos anos 80. Esse rock ligeiro, com batidinha de bateria e guitarrinha repetitiva que é a cara do Titãs daquele período, traz um refrão que serve tanto pro passado quanto pro presente: “Calúnias sociais, seus tipos bacanas/Bundas e caras da República das Bananas”.


Coroas no palco para tocar sua nova babel
O engajamento, os palavrões, as melodias pra bater cabeça, as guitarras e bateria raivosas, a urgência são lugares comuns num set list surpreendente fazem de Nheengatu um álbum quase datado. Disse quase. As referências culturais, a inteligência das letras e arranjos com toques contemporâneos tornam esse disco uma intersecção espertíssima entre tempos passados e os dias de hoje. Citações a Gonçalves Dias e a terra onde os sabiás cantam nas palmeiras, como em “Chegada ao Brasil(Terra à vista)”, à bossa nova e à Cartola (sim, eles gostam também) na ótima “Baião de Dois”, “é só isso esse baião/E não tem mais nada não” misturado a outros timbres de guitarra e ritmos “estranhos” a discografia do grupo contribuem para fazer de Nheengatu um belo e perene disco, uma jóia raia na carreira do Titãs. E tem também algumas que fogem um pouco da regra revivalista do trabalho, como as bacanas “Fala, Renata” e “Flores pra ela”. Ouvindo esse álbum dirigindo o velho gol nas avenidas de Boa Vista lambidas pela chuvarada senti que o passado revisitado soa moderno pra cacete. E assim caminha a humanidade. Avoé, Titãs.

Cotação: 5 

Tente ouvir por aqui:

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