sábado, 6 de outubro de 2012

Bazar sob nova direção


Existe uma leveza no povo brasileiro que é uma marca pro bem e pro mal. Quando essa condição é usada com malícia, para engabelar os bons sentimentos, damos de cara com aquela reprovável esperteza que mancha deploravelmente o currículo de nosso caráter. Aí vira palhaçada. Quando utilizada para gerar inventividade, e somos mestres nisso, temos uma nação que produz amiúde exemplos e o riso fácil. Temos, enfim, um pacto sério com o sorriso. E isso é muito bacana. Nosso rock, aquele com inequívoco traço nacional, muitas vezes apropria-se dessa leveza e invenção. Desde os anos 80, e de forma mais evidente nessa década, com as crônicas cantadas pela trupe quase circense do Blitz, as fanfarronices do Magazine e Ultraje a Rigor, e mesmo antes com o "top top" sacana da reverenciada banda Mutantes, o humor é moeda corrente. Essa espirituosidade, mesmo sem o riso solto, a objetividade e clareza dos grupos citados, somada a elementos psicodélicos e uma boa dose de inteligência, ajudam a fazer de Todo Futuro é Fabuloso (2012), o segundo álbum dos paulistanos do Bazar Pamplona, um trabalho digno de audição. Após um exercícios de três anos de lapidação, as boas tiradas, não confunda com piadas, chegam lúcidas e prontas para alegrar o nosso dia.

Clip de "Todo Futuro é Fabuloso":


Bazar Pamplona entrega-nos o temido segundo álbum com uma nova e mais luminar proposta. Não conheço o CD de estreia do grupo, o na época elogiado À Espera das Nuvens Carregadas(2008). Conta-se que o tal trazia ecos do Los Hermanos, ou seja, boas poesia e melodia aditivadas pelo combustível roquenrrou. Menos denso e nostálgico, o quinteto formado por Estêvão Bertoni (vocais e guitarras), João Victor (guitarra), Rodrigo Caldas (bateria), Rafael Capanema (baixo e teclado) e Marcos Miranda (teclado e baixo), resolveu se distanciar daquela recorrente e nada desprezível comparação. Falando nisso e sem querer exatamente comparar, mas apenas sugerir uma referência, a banda traz agora uma levada mais próxima dos gaúchos do Bidê ou Balde. Ou seja, rock com graça e inteligência. Isso já pode ser sentido na música que abre e dá título ao álbum, e uma das mais legais, "Todo Futuro é Fabuloso". Com uma levada rocker e animada, a música traz boa mistura de guitarra e violões, corinhos grudentos e letra explicitamente psicodélica: "Imaginem se chover na velocidade da luz/Não há tempo pra correr/Pois tampem o céu, eu propus/ No escuro, mantenham tudo azul".

Paulistano assumidos, o quinteto faz som pra gente grande

O quinteto paulistano consegue fazer crônica urbana, com música e letra que trazem um delicioso mix de humor e melancolia. É o caso de "Greve", essa com harmonia meio country (reparem na guitarra inicial) e instrumental que serviria como trilha de comercial sobre dias felizes, com direito a assobios (não, não pensem em comerciais de margarina. Não é bem por aí. Pensem em situações mais felinnianas): "Não há emprego, todo dia é domingo/Não há o que se preocupar diz a mulher/Avisa aos filhos: ele não vai voltar, porque ele cai de bar em bar", canta Estêvão Bertoni em tom ensolarado, e timbre que lembra o de Hélio Fladers, do Vanguart, para terminar a história em tom lúgubre: "Quanta tristeza, ele morreu no domingo/(...)E nunca mais ele se pôs a mesa do jantar. A dívida fica, os filhos vão pagar". A composição é uma mostra de que Bazar Pamplona sabe se utilizar com precisão e leveza dessa alma urbana e conturbada tão evidente nos paulistas reféns da metrópole. Carregam aquela destreza de encarar o dia a dia, temores e questionamentos que só os que são habilitados pela crueza do caos cosmopolita conseguem. Os discursos fáceis e espirituosos estão na ponta da língua, inclusive na horinha da declaração de amor, amparada musicalmente por uma elegância jazzy, com participação especial da talentosa Lulina: "É tão cafona o que eu sinto por você, meu bem/Tão cafona quanto o meu chapéu, oh, céus/Não se lembra? Foi presente seu". É assim na ótima "E tão Cafona o que eu sinto por você".

Ouça "Greve":


Exemplos dessa urbanidade são sinceros, quase cinematográficos e assumidos em todo o transcorrer do álbum. Em "O Gringo", com um belo arranjo de moldura circense, o vocalista brinca de ser estrangeiro, sem perder jamais o espírito mordaz são paulino: "Eu era o mais paulista, parado no sinal/ Eu percorri as listas deitadas sob o sol de manhã/Não abrem os cinemas onde as balas não têm legendas. E não sou daqui". Você já percebeu que essa minha resenha está cheia de aspas. É porque a poesia, as palavras em Bazar Pamplona, são relevantes. São transportes para a criação do clima exato entre ouvinte e mensagem. Trazem empatia e conexão com essas coisas das metrópoles. E mesmo quem não vive nelas, mas as reconhece pela televisão jornais e tudo o mais que as trazem mais próximo da gente, acaba sendo alcançado. Porque os elementos que cantam têm aquela sintonia, o cadinho que está no subconsciente de quem tem a essência urbanóide. É isso que transparece a letra de "Quero ser Grande", feita da matéria de quem tem muitas referências culturais: "Ri de desenho animado, diverte quem está ao seu lado/Pretende ser astronauta e logo trata de inventar o que falta/ Se possível quero ser grande, bem maior que uma roda gigante".

Música do grupo e cheia de auto referências e espirituosidade
É louvável no álbum o despojo e a tão citada, aqui, leveza. A ponto inclusive do grupo tirar onda do próprio umbigo. Em "Quem eles Pensam que São", sacaneiam com suas evidentes características de fazer por exemplo, "piadinhas no meio da música". "Nós somos o Bazar Pamplona", assumem no final. Essa auto-referência pode ser vista lá pela metade do trabalho, em "Canção do Meio", na qual a banda pede para que as pessoas não desliguem o play: "Você está no meio, ainda demora para acabar/Te faço uma promessa, de cantar um verso que te alegre/É só você não pular essa canção", um irresistível e engraçado apelo feito bem no meio do disco. No final, em "Faixa Bônus", lúdica até o topo, a galera fala de novo diretamente ao ouvinte: "Gravei uma faixa bônus pra você, desses que tocam no final/Afinal, vou ficar por aqui". Assim mesmo, dando um ponto final a um trabalho feliz, criativo e que deixa todos nós atentos, com aquele riso no canto da boca. Todo Futuro é Fabuloso é uma bola dentro desses paulistanos com muito a dizer, discursivos sem ser prolixos e donos de uma levada rock madura. O futuro do Bazar Pamplona tende a ser fabuloso. O sinal foi dado. Agora é seguir em frente e esperar pelas próximas faixas bônus e não pular jamais essa parte da história.

Cotação: 3

Se ligue no futuro fabuloso:

http://www.mediafire.com/?q6yxi9t0482i4b3

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Todas as mães do Menomena


Gosto de quem escreve certo por linhas tortas, dos corações inquietos que não se bastam do bem feito e quer este feito ainda melhorado. Dos que fazem do trabalho incansável experiência de aperfeiçoamento porque aqui, como no
O Menomena ainda com Brent Knopf: quatro discos lançados
amor, um passo pra frente, e firme, só melhora a gente e o mundo que nos cerca. Porque tem sempre algo a ser mexido, a ser refeito, não pra que chegue a ser perfeito, mas porque simplesmente é da gente, do ser humano, evoluir. Mais instigante ainda são aqueles que, mesmo depois de provarem que podem ser a nota dissonante, o espírito que desagrega para agregar algo positivo na sequência (que o diga o saudoso Chico Science), tentam a nota consoante mantendo o padrão de inquietude que os fizeram dignos de nota.  Menomena, banda de Portland, cidade do nordeste dos Estados Unidos, está incluída nesse rol dos eternos experimentadores, dos insatisfeitos de carteirinha. Depois de chamar a atenção da crítica com seu indie rock, post-rock ou seja lá que o valham, Justin Harris(voz, guitarra, sax) e Danny Seim(bateria) resolveram se tornar mais palatáveis. Moms(2012), o quinto álbum do grupo, é talvez aquele mais próximo do gosto comum, sem que com isso, pareça menos incomum. Tocam a linha do pop, escrevendo músicas com uma caligrafia mais legível, mas ainda benditamente torta.

Veja sessão acústica de "Heavy is as Heavy Does":


Harris e Seim fizeram o que considero o melhor disco do Menomena porque usaram sua criatividade e poder de fogo para ficar mais perto da maioria. Porque antes haviam os dois e Brent Knopf, uma das forças motrizes da banda, que saiu em 2010 para se dedicar ao bom grupo Ramona Falls. E com os três havia um projeto mais maduro que se iniciou com o cultuado, e muito legal,  Friends and Foe(2007), o primeiro que ouvi da galera, carregado dessa vontade de fazer música com uma dose de invenção que afastava sua obra dos ouvidos mais preguiçosos. Esse rock com gosto pelo experimental, por levadas menos óbvias se fez presente também em Mines(2010), álbum que manteve acesso a chama dos fãs pelo grupo. A saída de Knopf  ajudou na diminuição da febre, do ardor que movia a criação dos caras? Acredito que não. Porque parte da criatividade vista nos CDs anteriores se mantém intacta, apenas com a ansiedade um pouco mais domada, dominada. A dupla que continua a tocar o Menomena articulou no mais recente trabalho uma sonoridade mais solar e simples, ainda que algumas músicas vistam-se daquela estranheza e melancolia que a trupe sempre soube produziu.

Grupo mantem padrão com belos arranjos e orquestrações
Mas, fique atento, nada em Menomena é o que parece. O que, na primeira audição, reveste-se de simplicidade, na segunda, com os ouvidos mais atentos, mostra-se cheio de nuances, com as garras expostas. Existe um universo complexo por trás das canções, ainda que ele assuste menos, do grupo. Os arranjos muito bem trabalhados, as mudanças de andamento das composições, a surpresa que nos é reservada aqui e ali com a introdução de instrumentos pouco comuns ao gênero rock, tudo faz com que Moms torne-se um deleite para quem é ávido por música com conteúdo, feita de uma substância mais reativa e consistente. Como descobrir o ácido da fruta depois da sensação do doce. É assim, por exemplo, com a impressionante "Heavy is as Heavy Does", que começa levinha com seu piano manso, entorpecendo o ouvinte até a mudança lá na frente com o crescendo do coro que deságua em guitarras distorcidas, no talo. De uma beleza concreta. Da mesma linhagem "One Horse",  que fecha épica o disco com seus dez minutos de absoluta extravagância.  Aqui fica mais clara ainda a alternância melódica, com momentos atmosféricos dividindo o tempo com arranjo de cordas e a batera e guitarras fazendo a mais sublime diferença.

Ouça "Don't Mess with Latexas":


Esses caras sabem mesmo causar impressão. Além dos movimentos que dividem as canções, outra das características mais notáveis é o apreço que têm por arranjos instrumentais que pega o ouvinte de surpresa. Se em "One Horse", a orquestração das cordas eleva a voltagem da canção, reafirmando sua tensão melancólica, em "Plumage", que abre o álbum e que se sobressai como uma das mais pops do repertório, quem dá o ar da graça é um inesperado e animado sax. Em "Pique", que tem também um apelo popular, são os instrumentos de sopro que se apresentam, colorindo essa música com seu tom mais radiofônico. Todas essas, apesar da moldura simples, tem sempre um ou outro elemento, um toque, um barulhinho que denotam a riqueza dos arranjos. E isso fica mais claro ainda em gemas como a preciosa "Don't Mess with Latexas" e suas cordas libertárias e a ensimesmada "Tantalus", na qual a guitarra e bateria, um show a parte no álbum, fazem magnífico contraponto com um teclado mais gutural, desses que fazem a festa em filmes de suspense. A complexidade dos arranjos torna-se uma deliciosa brincadeira para quem ouve "Moms", para quem gosta de explorar ricas trilhas musicais que alternam clareiras e mata cerrada, num emaranhado de sons no qual vale a pena se perder e se achar.

A riqueza das referências e a dinâmica das melodias garantem grandes momentos ao álbum. Se não bastasse, a dupla Harris e Saim ainda se meteram a fazer um disco temático. Claro que a idéia não é nova, mas é, no mínimo, diferente na intenção. O título do disco, Moms, mães em inglês, não é de graça. Os dois músicos resolveram explorar audaciosamente nas letras desse trabalho, o relacionamento que tiveram com suas progenitoras. O vocalista foi criado por uma mãe solteira, enquanto o outro perdeu a sua quando ainda era jovem. É pano pra manga pra nenhum freudiano botar defeito. E o ouvinte vira espectador passivo e interessado desses testemunhais, dessa expurgação pública. Os recados são diretos, precisos, como em "Capsule", em que confessam cheios de autopiedade: "Agora eu estou evoluindo de uma criança nova para uma criança envelhecida/Você está amadurecendo de uma memória para um legado". Ou então, metaforizando sem piedade o passado familiar: "Todos os ramos pendurados em minha fudida árvore da família são pesados", cantam em "Heavy is as Heavy Does". Menomena é isso: entrega e mergulho. Moms é assim, um álbum para se curtir devagar, entendendo todos os seus significados, dores e beleza. Um discaço.

Cotação: 5

Vá direto ao ponto:

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