terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre cachaça, fuscas e sacanagem

Itamar Franco pegou o elevador e desceu na cobertura onde os mortais não colocam os pés. O topetudo se foi deixando aquela profunda impressão de perda nos conterrâneos mineiros, que se despediram dele ao som da emblemática “Ó, Minas Gerais, quem te conhece, não esquece jamais”, hino usado de praxe nos enterros de autoridades que deixaram alguma herança para um povo. Perda ligada à memória de um homem que teria sido honesto na política, daqueles que fogem do lugar comum e têm na ética uma escola com lições a serem divididas com todos e por todos. Lembro de Itamar em momentos estanques, em situações ligadas, contudo, menos aos seus esteios morais, que os colegas de profissão gostam de citar no velório com falsa consternação, e mais a atitudes tão sofregamente humanas e cotidianas, que provavelmente, são as que vem a tona na cabeça de quem viu o ex-presidente em ação.

Uma delas era o seu apego pela pinga. A branquinha. Era a “maldade” que, de vez em quando, escorria venenosamente da boca daqueles que gostavam de detratá-lo. Mentira ou verdade, esse gosto particular nunca chegou a pesar nas costas daquele homem com topete vistoso, a la Elvis. Além do que, como todo bom mineiro, o amor pela pinguinha, que tem em Minas forte tradição e os melhores e mais qualificados produtores, é mais um sentimento cultural do que exatamente um pecado mortal. Para quem não lembra, Itamar, em reconhecimento radical à popular bebida, instituiu o 21 de maio como Dia Nacional da Cachaça. Minha pobre e castigada memória não alcança notícias sobre qualquer escândalo envolvendo o topetudo que tenha sido provocado pelos eflúvios da “marvada”. Até porque é prática dos nascidos nas Minas Gerais fazer tudo caladinho, como muita discrição, ou como prefere nosso rico léxico, mineiramente. Mais uma prova, respeitosamente falando, de como Itamar era um representante legítimo de sua gente.

A única lembrança de algo próximo a um escândalo e outros dos parcos registros do passado que me levam a Itamar Franco. Esse foi rumoroso e fez a fama, vejam só, de uma colega minha de faculdade. Antes de ser achincalhada pelo Brasil inteiro, Lilian Ramos foi estudante de comunicação, daquelas mais apetitosas e provocadoras de fantasias sexuais entre os meus amigos de classe. Era espevitada a moça, alegrinha mesmo, mas não me recordo de tê-la vista sem calcinha em uma aula teórica qualquer de jornalismo. Despojada que só e ao lado de um festivo Itamar, foi assim que ela foi flagrada super animada no carnaval de 1994. Ora, ora, machismo de lado, a danada só podia estar com más intenções ao postar-se daquele jeito desenvoltinho, bem colada ao presidente da república. O marketing pessoal funcionou na época. Durante alguns dias a moça, definida pela jornalista Thaisa Galvão como “modelo de segunda categoria, atriz de terceira e oportunista de primeira”, foi caçada pelos flashes e imprensa afoita. Durante alguns dias, Itamar, até então mineirinho a toda prova, teve que viver a vergonha da quebra de padrão de comportamento. De qualquer forma, foi uma página deliciosa e francamente humana de nossa história no capítulo dedicado à malícia.

Por último, Itamar provocou em mim e em milhares de brasileiros que tem no carro um irresistível ícone o fim momentâneo de uma dolorosa saudade. Em 1993, uma época em que já havia sido decretada a morte do fusca, o fusqueta, o fusquinha, o presidente provocou a fabricação do último modelo fabricado no Brasil do veículo mais popular e simpático que tivemos. Prateado e garboso, 13 mil besourinhos reluzentes, apelidados carinhosamente de “Fusca Itamar”, voltaram a circular em ruas e avenidas. Era outra paixão nacional que o presidente homenageava e uma resposta nacionalista a invasão de carros importados, liberada pelo seu defenestrado antecessor, o extravagante Collor de Mello. Por uns instantes, em meio a um Brasil economicamente instável, tivemos a sensação da volta de tempos felizes, nostálgicos, nos quais o fusquinha era um dos símbolos mais exatos. Itamar deve estar andando de fusquinha agora onde estiver, talvez ao lado de uma bela e fogosa morena. Que ele fique sempre assim, mineiramente, bem feliz na memória de todos nós.