terça-feira, 21 de junho de 2011

Contra o mau humor

Existe um preconceito em meio à crítica musical que muitas vezes empana a razão e entorta o coração. Dessas bobagens típicas de resenhistas casmurros que sobrevivem mal aos seus preciosismos e ao vazio de indulgência. Gente que cobra em demasia e ensaia textos ácidos para não se enquadrar no gosto comum, principalmente quando se trata de músicos que fazem sucesso. Observei isso com relação ao recente álbum do Strokes, o bacana e corajoso Angles. Do novo percebi esse ranço em resenhas venenosas e injustas sobre o último trabalho de um outro grupo que já alcançou o estrelato, o Arctic Monkeys. Muitos tentaram implodir Suck it and See(2011) por aquilo que ele tem de mais curtível, a pegada pop e quase juvenil, característica aliás que, me desculpem os incisivos e impiedosos críticos de plantão, é um dos combustíveis que tornaram o bom rock and roll um gênero tão carregado de honestidade. E é essa imperativa impulsividade que faz desse obra vilipendiada dos ingleses uma das mais interessantes que já ouvi nesse generoso ano de 2011.

Assista vídeo de "Brick by Brick":



O Arctic Monkeys voltou com aquela alegria desregrada presente nos seus dois primeiros álbuns, o efervescente Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not(2006) que encarei, nas primeiras audições, com alguma desconfiança, e, para mim, a obra-prima, até agora, Favourite Worst Nightmare(2007). Com Humbug(2009), o grupo capitaneado por Alex Turner tentou um amadurecimento tipo microondas, rápido e forçado, perdendo aquela espontaneidade que havia arrebatado tantos fãs. Suck it and See parece ser uma tentativa de voltar às pazes com seu fiel público. E se essa era a intenção, os caras estão cumprindo com honras a missão. Orientados pelo produtor James Ford, o mesmo de Favourite..., Turner(vocal), Jamie Cook (guitarra), Nick O'Malley (baixo) e Matt Helders (bateria) escolheram um playlist de fácil assimilação, com muitas favas contadas, achados pops que irão movimentar pistas e girar indefinidamente nos tocadores de música da molecada e também, porque não, daqueles mais velhos que gostam da eletricidade do rock despojado. Um deles é a garageira e uma das melhores do trabalho, “Brick by Brick” com seu riff pesado de guitarra e o coro grave, que resgata o espírito festivo do Kinks.

Na mesma sintonia de “Brick by Brick”, primeira música de trabalho do CD, o repertório traz pérolas da mesma linhagem abrasiva impressa nos melhores álbuns do grupo, a exemplo de “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”, com a guitarra rascante de Cook em perfeita harmonia com o baixo de O’Malley. “All My Own Stunts” repete os riffs de cordas que tanto marcou a carreira dos britânicos. Elíptica, essa canção prende o ouvinte com sua boa melodia sinuosa e o vocal esperto de Alex Turner. Mas, a galera faria ainda melhor na provocante “Library Pictures”, que conta com as alucinadas viagens de Helders e a tresloucada guitarra de Jamie Cook numa festa, ora espertamente compassada ora pura pauleira, para nossos agradecidos ouvidos. Rockão de primeira perpetrado em poucos mais de dois minutos que já valeriam o disco. Sem dúvida, um dos melhores petardos do ano e revelador ainda de um Arctic Monkeys palpável, íntegro, cheio de boas idéias e inspiração.

Ouça “Library Pictures”:



Mesmo quando não solta os diabos, o grupo é capaz de cometer composições precisas. Prova inconteste disso é a saborosa música de abertura, “She’s Thunderstorms”, com sua guitarra hipnótica e melodia pra lá de marcantes, carregada de uma nostalgia romântica que remete aos grudentos clássicos do rock dos anos 50 do século passado. Envolventes também são as boas “Black Treacle” e “The Hellcat Spangled Shalalala”, baladas de uma simplicidade e ternura que chega a ser tocante. Com Suck it and See, o Arctic Monkeys foi taxado, por muitos, de burocrático por fazer um rock sem grandes pretensões e que casa com aquilo que os fãs de carteirinha esperavam da banda. Nunca esperei nenhuma grande ousadia desses rapazes, até porque para eles música parece ser unicamente sinônimo de diversão. E se ser burocrático é fazer, inteligentemente, como acredito nesse caso, música para a massa, então viva esses operários que nos dão prazer. Pelo seu descompromisso com a crítica chata e tacanha, esse álbum já é um dos meus preferidos de 2011. Dá-lhe Arctic Monkeys.

Abrindo aspas. Só a guisa de curiosidade, para o conhecimento de meus caros e reduzidíssimos leitores que ainda não sabem do fato: Suck it and See, com sua capa simplória e minimalista, mas título declaradamente imoral, algo numa tradução livre como “Chupe-o e veja”, foi, por isso mesmo, retirado absurdamente das prateleiras das lojas de disco norte-americanas. Fico pensando se os filmes blockbusters tão sortidos de palavrões produzidos naquele país fossem, por isso mesmo, proibidos de passar nas telas de cinema ou de TV de seu próprio território ou nações alheias, como estaria a milionária indústria holywoodiana... Para esse falso moralismo só poderia dedicar duas palavrinhas roubadas do vocabulário popular dos nossos irmãos gringos acima da linha do equador: fuck you. Ou em bom português mesmo: foda-se. Fechando aspas.

Cotação: 5

Antene-se:

http://www.fileserve.com/file/7ENv8f8/www.NewAlbumReleases.net_Arctic%20Monkeys%20-%20Suck%20It%20And%20See%20%282011%29.rar