domingo, 10 de abril de 2011

Voando alto

Aquilo que antes era apenas uma penugem transmudou-se em penas fortes, lustrosas. Cada vez mais longe do ninho e afoita, aventureira em busca de novos horizontes, ela sabe que existe um grande e inescrutável espaço a conquistar. Mundo vasto mundo, se ela se chamasse Maria, que rima o poeta faria? Mais segura, Tiê, a cantora paulistana com nome de pássaro, alça agora vôos mais longos, definitivos. O segundo álbum está aí para provar que a promessa de uma artista de personalidade forte se confirma concretamente. Ponto para essa moça talentosa que chegou assim pianinho, passarinhando suavemente, e, sem mais avisar, como uma fera sorrateira, se agiganta diante da gente. A Coruja e o Coração(2011) é trabalho cuidadoso, pequena jóia barroca, feito para firmar Tiê nesse universo restrito de artistas brasileiros com assinatura e brilho próprios.

Veja o clipe de "Na Varanda da Liz”:



Há dois anos, Tiê entregou de forma independente um CD tão confessional e cheio de lirismo que logo chamou a atenção da crítica especializada. Poucos acompanharam os primeiros passos da artista que exibia uma sonoridade que logo tacharam de neo folk, ou algo parecido. Porque íntimo, acústico, econômico, feito daquelas palpáveis tristeza e doçura que caracterizam o gênero. Sweet Jardim(2009), que me inspirou uma resenha aqui mesmo no meu insensato blog, era diferente, não seguia as tendências da música brasileira. Meio assim deslocado com sua abusada simplicidade e sinceridade. Tanto que, por ser rara, a artista logo foi colocada no balaio do que recentemente denominaram de “Novos Paulistas”. Mania essa da imprensa de criar grupelhos, imaginários movimentos musicais, levada pelo surgimento de talentos contemporâneos, a exemplo dos conterrâneos Tulipa Ruiz,Thiago Pethit e Marcelo Jeneci, autores de discos incandescentes e marcantes em 2010.

Faça o download e ouça “Só Sei Dançar com Você”:

http://www.divshare.com/download/14536235-57b

No mesmo ano do lançamento de Sweet Jardim fui assistir a um show de Tiê num pequeno e abafado pub em Brasília. A primeira apresentação dela na capital. Bem no gargarejo, premiado pelo desconhecimento do brasiliense daquela moça postada ali, cheia de dedos, num diminuto e improvisado palco. Só ela e violão. Confirmei ali minha impressão de que aquela dona tinha algo de especial, encantatório. A mesma vozinha miúda que ouvia no headphone embalando aquelas canções tão delicadas. Fiz questão, numa desavergonhada ti(ê)tagem, algo que quase nunca faço, de comprar o CD e pedir que a baixinha autografasse. A Coruja e o Coração só reforça o encantamento. Gosto dos passos dados adiante sem que se perca o DNA, de quem não se acomoda e mapeia novos territórios com aquela típica sede do conquistador. Esse álbum tem um pouco disso, amparado pelo contrato da artista com a blockbuster Warner.

A ligação com a Warner, e muitas vezes isso acontece, não desfigurou o som e o canto de Tiê. Parece apenas ter lhe dado mais munição para produzir um trabalho mais encorpado, com recursos técnicos e instrumentais que a falta de verba não lhe proporcionara antes. A compositora e o aclamado produtor Plínio Profeta, que a acompanha desde Sweet Jardim, puderam contar com o auxílio de afinados músicos e a presença de um bom punhado de convidados. E esse é um dos diferenciais mais notados em relação ao primeiro álbum. Percussão, cordas, metais surgem inteiros nos belos arranjos da nova investida da paulista. E isso é percebido fortemente na música de abertura, “Na Varanda da Liz”, composta para a filha, embalada por muitos e intensos instrumentos que quase fazem a voz da cantora sumir. Aquela levada acústica que ganhou mentes e corações só aparecem nas lindas e mais cools, “Piscar o Olho” e “Te Mereço" e seu piano ensimesmado, que poderiam fazer parte naturalmente do primeiro CD.

Mas, o uso farto dos instrumentos serve apenas para amplificar a poética de Tiê. Tudo continua intimista e confessional como antes. A balada “Perto e Distante”, com a participação do uruguaio Jorge Drexler e um sax cortante, traz letra de diário que sensibiliza até os mais brucutus. “Quem garante que o que você é é o que o outro enxerga?”, filosofa a cantora nessa composição densa. Os ricos arranjos e todos os músicos contribuem ainda para adicionar a A Coruja e o Coração um elemento invisível no trabalho anterior, o pop. A já citada e radiofônica “Na Varanda da Liz”, talvez a mais radiofônica de todas, e as ótimas “Pra Alegrar o meu Dia” e “Hide and Seek”, essas com levada country, graças ao bandolim de Profeta, são assim: alegres, solares e prontinhas para seduzir um público, diríamos, menos exigente. Tem até uma versão flamenca e alienígena do forró “Você não Vale Nada”, que foi tema de novela das oito na Globo.

E tem ainda, em contraponto ao visceral e divertido forró de Dorgival Dantas, as versões das matadoras “Só sei dançar com Você”, de Tulipa Ruiz, e “Mapa Mundi”, de Thiago Pethit, que, se não acrescentam muito às originais, são conduzidas com brio e leveza. As duas contando com a participação daqueles “novos paulistas”, autores incensados e criadores iluminados. Para fechar essa alongada resenha, diria que, no frigir dos ovos, A Coruja e o Coração é um disco generoso, convincente, de vivo aconchego. Obra madura de uma artista veio para ficar. Avoé, Tié.

Cotação: 5

Voe com Tiê:

http://www.mediafire.com/?e4eq7nc746a02a5