segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

England calling

A capa enigmática de Let England Shake(2011), uma revoada sombria de pássaros em preto e branco, aponta a empreitada nada fácil proposta para o ouvinte nesse oitavo álbum de Polly Jean Harvey. É como entrar num turbilhão desconfortante e angustiante de sentimentos. Mas, isso já era de esperar em se tratando dessa irrequieta e genial artista inglesa. E PJ Harvey nunca foi tão inglesa quanto neste trabalho, inspirado por um país conflitante, ambíguo, marcado por um passado colonialista e bélico, que deixou um lastro cultural incômodo em pessoas sensíveis e antenadas, como a compositora em questão. Essa herança é o céu e o inferno numa obra que pode ser minimamente considerada como desconcertante.

Let England Shake é conceitual até a medula. PJ Harvey surpreende abandonando abruptamente o intimismo que chegou as raias do sublime no complexo e tocante White Chalk(2007) e assumindo cores política e dramáticas. A Inglaterra é personagem soberana de um álbum carregado de cinismo. A pátria amada está presente em momentos que vão da declaração de amor, exposta em “England”, com ecos da Londres multicultural, à crueza das memoráveis “The Glorious Land”, sem dúvida uma das melhores do disco, e “The Words That Maketh Murder”, que narra uma batalha campal com corpos estilhaçados de soldados voando pelo ar.

Ouça “The Glorious Land”:



“The Glorious Land”, que conta com a parceria do mesmo John Parish, com quem fez dobradinha em A Woman a Man Walked by(2009), tem tom dramático e invenções que só confirmam o acerto dos arranjos e do conceito abraçado por Harvey. A corneta marcial que aparece várias vezes no início da música, estranha e fora do andamento, está inteiramente dentro do espírito épico da composição que fala novamente de tanques e guerra. O vocal meio teatral imposto pela cantora e compositora destoa de outros instantes do disco, como na doce melodia de “Hanging in the Wire”, e no registro vocal quase operístico da linda e doída “On Battleship Hill”.

A voz de Polly Jean, que tornou-se uma das mais marcantes e pessoais da história do rock and roll em álbuns viscerais e antológicos como Dry(1992) e Rid of Me(1993), assume realmente em Let Englang Shake variações sonoras inesperadas. É um retrato e uma tradução da essência desse grande e assombroso disco. A inquietação vista aqui é também sentida na bem urdida trama musical do álbum, onde as guitarras voltam com personalidade, ainda que mais comportadas, e as canções soam melodicamente mal comportadas. Com algumas curiosas e poucas concessões, como o sampler da música “Blood and Fire”, do jamaicano Niney the Observer, em “Written on the Forehand”.

PJ Harvey apresenta um trabalho evocativo, onde experimentação e tradição andam de mãos dadas, mas nem sempre de forma amigável. A obra soa minimalista, como na bacanérrima música que dá título e abre o álbum de forma incandescente, ora mais próxima do folk, como na calminha “The Last Living Rose”, ora mais rocker, lembrando um pouco do início de carreira, como na pesada “Bitter Branches”. A inglesa nos presenteia com um álbum elaborado e de difícil audição. Escutei-o mais de uma dezena de vezes, mas ainda não me acostumei a sua sonoridade. Um estranhamento que longe de me afastar de Let England Shake só me seduz e me faz querer entendê-lo. E essa provocação, acredito, é uma das características de uma obra fadada a perenidade.

Cotação: 5

Baixe se ainda tiver no ar:

http://www.mediafire.com/?s4yrbudjfe61b1k

Assista a clip de “The Last Living Rose”, dirigido por Seamus Murphy: