quinta-feira, 31 de março de 2011

Pra sempre, Edward

Para ler ouvindo "Deus e o Diabo no Liquidificador", da banda Cérebro Eletrônico:



Tudo muito cinza, escuro. O ar sempre enevoado embaçando a minha vista, turvando os objetos e uma noite, longa noite, que parecia não ter fim, absurdamente ao meu redor. O mundo lá fora seria uma noite sem fim? Saudade de meu pai, de seu riso aberto, de meu pai com sua roupa branca no meio de sua casa negra. Seu castelo, nosso castelo de coisas enevoadas, vestido de teias e musgos, decorado de tubo de ensaios ensebados, esquecidos nos cantos. Homem engraçado meu pai. Ele me deu longas e afiadas tesouras ao invés de mãos. Não esqueço, ele me admoestava sempre: "seus dedos cortantes quando se mexem cortam". E me deixou a dor, o peito dilacerado quando, caído no chão, me fitou com olhos duros, secos, sem o reflexo de mim. Nunca mais meu rosto pálido nele, nos olhos dele. Depois disso meu pai nunca mais falou comigo, nunca mais ensinou palavras cheias de letras e sons. Depois disso, nunca mais ele. Mas, vejo meu pai todas as vezes que abro os olhos.

Meu nome é Edward. Pelo menos era assim que ele me chamava com uma voz mansa, como se ao chamar meu nome, grudasse à palavra algo a mais. Algo que não podia mensurar. Algo que me fazia bem. Um calor no peito na hora, como se meu nome dito por ele fosse um manto cálido a me cobrir, a me proteger do tempo sibilante que deixava tudo branco lá fora. A me proteger de algo que ele nunca ousou descrever pra mim. E esse algo era gigante e morava além do castelo negro que me encobria. Seria o mundo todo um grande castelo negro? Passava manhãs, tardes e noites usando minhas mãos para lembrar meu pai. Scissorhands. Eu sozinho no assoalho frio achando que tudo o mais não passava de mim sozinho. Meu presente era eu só. Meu futuro era eu só. Quem era eu nesse mundo sozinho? Até que um dia ouvi uma outra voz, diferente a de meu pai, fina e melodiosa. E eu nem imaginava, na minha sã inocência, que aquela voz mudaria toda a minha vida.

Corte. Segue o filme.

Aquela cena descrita lá atrás, antes do corte abrupto, é uma leitura livre de uma das cenas iniciais de um longa-metragem inesquecível. Tim Burton nunca mais faria algo parecido. Vinte anos depois, a fábula do jovem frankenstein amado e depois açoitado por uma sociedade cruel mantém seu frescor e magia. É assim com os clássicos. Eles vencem os dias, as décadas, incólumes às erosões e ferrugem que o tempo costuma provocar. Sem perder sua modernidade e vigor. O filme, que marcou a vida de muita gente nos anos 90, está sendo homenageado em uma bela exposição nos Estados Unidos. De 40 ilustradores, aqueles mesmos que, como eu, se encantaram com uma equilibrada mistura de poesia e horror. Edward Mãos de Tesoura(1990), a fita, é uma obra prima deliciosa, dessas que grudam na parede da memória.

Pra quem não viu, ta aí o trailer do filme:



Edward foi criado em laboratório por um cientista solitário, vivido por um fantástico Vincent Price em fim de carreira, humanizado e cativante. Surpreendente. Diferente de todos os monstros e personagens tenebrosos que marcaram sua cinegrafia. O cientista queria um filho para compartilhar sua solidão, alguém para conversar. Não conseguiu viver para ver a obra cumprir seu fim. Orfão e assustado, Edward é encontrado por uma vendedora da Avon, dessas que se multiplicaram pelo mundo afora, cheias de simpatia, em meados do século XX. A partir daqui entra em contato com um outro mundo, o dos seres humanos inconstantes e desconfiados, nosso louco mundo. Aí vem a perda da inocência junto com a paixão e a incompreensão. E aí vem o resto do filme, que prefiro deixar em aberto, para que você que está lendo essa resenha se interesse, talvez, em assistí-lo.

Garanto, do alto de minha mais inteira humildade: ver ou rever Edward Scissorhands é sempre um prazer. Tá lá o cineasta das esquisitices, Tim Burton, fazendo sua obra mais pop e intensa. Tá lá Johnny Deep mostrando todo o talento que o faria um dos atores mais cools e bacanas de holywood. Tá lá Winona Ryder linda, radiante, como o par romântico de Edward, despertando fantasias nos homens. E a palpável química dos dois envolvendo todos os 24 quadros por segundo do filme. Tem a cenografia dark, o humor negro, o figurino punk do personagem principal e o colorido contrastante de uma provinciana cidade norte-americana com todos seus habitantes provincianos e tão frivolamente norte-americanos. Enfim, todos os elementos que fizeram com que esse bacanéssimo filme ganhasse, 20 anos depois, a homenagem de talentosos ilustradores que colorem as paredes da Gallery Nucleus, na Califórnia. Eu não fui a Nucleus, mas pesquei na internet algumas das obras, que trato, com muito carinho, de reproduzir aqui. Para ver mais, vá em: http://scissorhands20th.blogspot.com/

Cotação: 5

terça-feira, 29 de março de 2011

Herói de todos nós

Tinha 79 anos. Parecia menos. Com a cara boa daquele avô de fábula de cinema que todos nós gostaríamos de ter. De riso fácil quase sempre e, aqui e ali, imbuído de austeridade. Só quando a situação obrigava. Pelo menos parecia assim nos momentos em que as câmeras de TV pescavam-no em movimentos eternamente serenos, quase em câmera lenta. Acho que idade e um tanto de sabedoria. Talvez isso explicasse. Mas, quem tinha assim tantas décadas nas costas, devia mesmo ser amigo, até mesmo íntimo, da sabedoria. Gostava dele, assim, acredito, como a maioria dos brasileiros tinha simpatia por aquele velhinho, mineirinho que só, que teve participação discreta no governo brasileiro. Companheiro do companheiro Lula, ex-presidente que bem poderia envelhecer do jeito companheiro daquele homem que foi-se que nem passarinho,rememorando Mário Quintana, passarinhando.

Faço nesse momento, comovido pela notícia que chegou a alguns instantes, um esforço de memória, um exercício carinhoso a respeito desse homem a partir da questão fria e crua: como é que eu gostaria de lembrar dele? Acho que não lembraria como o empresário, homem de sucesso nos negócios, condição que o levou ao alto cargo público assumido sem estardalhaço. E esses são tantos. Não lembraria como o homem que desconheço, aquele que a minha ignorância sobre seu passado esconde sob muitos e muitos véus. Que fique no mistério e esquecimento. Não lembraria como o cavaleiro solitário lutando quixotescamente, nos hiatos que o poder lhe dava, a favor da redução dos juros que imobilizava nossa economia. Era dever da ingrata função. Não lembraria do velho já meio esqualido, castigado pelo câncer, tantas e incontáveis vezes levado aos panos frios de uma maca de hospitais,dissecado pelas máquinas, ruminado por medicamentos. Memórias melhores hão sobre ele.

Acho que lembraria daquele velho de cara boa nos seu momentos de bom humor. Imenso bom humor congelado agora em minha memória. "O bom escoteiro ri até nas adversidades", disse ele cheio de dentes num programa de TV, um pouco depois de uma daquelas vezes que passou dias no hospital enganando o câncer e a morte. Velho e bom escoteiro. Lembraria dele demonstrando uma positividade e uma alegria inacreditável, imensurável, diante de sua frágil condição de saúde. Lembro dele herói de todos nós nessa mesma guerra santa contra o câncer. Vontade imperturbável e exemplar de seguir em frente, se desviando dos males como se levitando estivesse. Nosso velho ninja. Lembraria dele cantando o hino de seu clube de futebol naquela mesma entrevista na TV citada nesse parágrafo, o desconhecido Nacional de Muriaé, e socando o ar com sua mão ao final da música como um torcedor cheio de vitalidade. Como um menino. Lembraria dele como um menino.

José Alencar morreu, menino, nessa tarde do dia 29 de março de 2011. O drible na morte dessa vez não deu certo. Almas boas deixam saudade. Com saudades já estou.

Viciados em alegria

“Mulher, dance comigo esta noite”. O convite feito nos primeiros segundos da faixa que abre Olindance(2011), segundo CD do coletivo pernambucano Academia da Berlinda, é um ultimato. Mesmo aqueles que não têm samba no pé dificilmente vão resistir a metralhadora irresistível de ritmos que vem na seqüência. Sete malucos de Olinda investem pesado, sem dó nem piedade, na mistura de sons afro-latinos, como a cumbia, a guitarrada paraense, o bugaloo colombiano, o côco, o frevo, a rumba, e dão algumas bebericadas no rock, para produzir um álbum buliçoso, que cativa pela luxúria e pluralidade. É musica para bailinhos, bailes e bailões. Para quem nitidamente assume essa nossa apaixonada alma latina, irremediavelmente viciada em alegria.

Ouça Praia do L:



Olindance é fruto de um apanhado musical centrado na América abaixo da linha do equador. São ritmos que naturalmente provocam calor e que, devidamente misturados por artistas antenados e contemporâneos, ganham novo espectro, nova pulsação. Esses caras fazem parte de bandas que extrapolaram as fronteiras de Pernambuco, a terra natal, como Eddie, Orquestra Contemporânea de Olinda e Mundo Livre S.A. O combo só tem figuras de respeito e responsa. Sente só: Alexandre Urêa(voz, timbales), Tiné(voz,pandeiro, maraca), Yuri Rabid(baixo e voz), Gabriel Melo(guitarra), Hugo Gila(microKorg), Irandê César(bateria e percussão) e Tom Rocha(percussão e pateria) E o que se sente é uma entrega natural dessa galerada às sonoridades latinas, sem qualquer pecha acadêmica, longe de didatismo, do resgate cru e tradicional daquelas ricas musicalidades.

E é essa veia popular, essência de todos os ritmos latinos colocados na roda e mantida aqui com toda sua soberania, o que mais contagia no segundo álbum do Academia da Berlinda. A começar pela adrenalinada “Bem Melhor”, com suas congas, guitarra fervilhante e teclado minimalista escancarando com urgência as portas da pista de dança. E elas não se fecham em momento algum do CD. Pronto, salão cheio, pés teimosos e insubmissos, melhor mesmo é se render rogado à turbulência de canções como a manhosa “Lua”, essa cumbia casada fervorosamente com o carimbó, mas que se permite uma escapadela com um rock santaniano, e as deliciosas “Lágrimas”, uma das mais radiofônicas do disco, e “Filhinho”, toda provocante e lúdica.

Mesmo as composições com voltagem um pouco mais baixa levam você ao remelexo. Exemplo de “Gringa”, canção com forte influência do côco, ritmo nordestino muito bem defendido no CD, e que conta com a participação especial do impagável Peida das Olinda, folclórico guia turístico das bandas de lá. E também da cadenciada “E Então”, assim meio bolerega(um tanto de bolero um tanto de Alípio Martins), uma bela canção romântica. Essa ainda pra dançar agarradinho. De preferência bem agarradinho. E de “O Gole”, exemplar clássico dessa nova música pernambucana influenciada pelo romantismo e pelo brega. Nessas duas vemos o lustre moderno das composições, melhor notado nas instrumentais "Berliman"(repare no teclado tecno e pesado no início da música), com toques de surf music, na encantada “Praia do L”, uma das melhores do CD, e no sambinha de branco “Primeiro Plano”.

E tem ainda, para finalizar essa encardida resenha, as letras. “Cumbia da Praia” e seu ritmo caliente (perdão, não consegui fugir do lugar comum) revela outra característica popular do disco, a poesia enraizada no dia a dia daquele que se apaixona, que pega ônibus lotado, que tem tesão e não excitamento. O cara escancara: “Quando ela chega lá na areia/Bota logo a canga pra deitar/Pede pr’eu passar bronzeador/eu fico sem poder me levantar”. Vai me dizer que você não passou por isso um dia? Esse descaramento, ou, melhor traduziria, discurso direto, está presente também em outras músicas, como na irônica “Você me Humilhou”, que, em tom de desabafo, critica os interesseiros: “Desde pequeno fui humilhado/quando eu chegava nas gatinhas/não era considerado/só porque eu era magrinho, cara de marginal /agora que eu estou na mídia, sou um cara legal”. Papo reto de um disco direto e incisivamente dançante. Essa é a proposta de Olindance, do Academia da Berlinda. Seja pop. Entregue-se.

Cotação: 4

Bote pra ferver:

http://www.mediafire.com/?8qjg5cin13tehv1

Veja "Fui Humilhado", gravado diretor de um show da banda:

sábado, 26 de março de 2011

Declaração de independência

Coitado de quem carrega nas costas a pressão de ser obrigado a apresentar algo sempre bom e demolidor. Para esses convergem todas as expectativas, os olhares inquisidores e as impiedosas cobranças. Na penúltima semana do mês de março de 2011, o mundo da música concentrou-se ferozmente no lançamento do último trabalho da banda novaiorquina The Strokes. O alvo, o álbum chamado Angles(2011). Depois de quase cinco anos sem gravar CD de estúdio, o grupo que “salvou” o rock no início dos anos 2000, com o impecável This is It(2000), jogava os dados na arena repleta de leões, diante da crítica e dos fãs famintos. O resultado foi um misto de estupor, incompreensão e aplausos comedidos.

Assista ao vídeo de “Under Cover of Darkness”:



Como deglutir uma obra tão diversa e atípica, se tratando de Strokes, quanto Angles? Sob que ângulo apreciá-la? O álbum é cheio de arestas que parecem traduzir o momento musical e pessoal dos cinco músicos que o produziu. Por trás dele, como elemento invisível, há o fato dos integrantes dessa incensada banda viverem um longo e tenebroso inferno astral. A imprensa repercute há algum tempo a relação corroída de Julian Casablancas, o elegante e blasé vocalista, Nick Valensi(guitarra), Fabrizio Moretti(bateria), Nikolai Frature(baixo) e Albert Hammond Jr.(guitarra). Comenta-se que eles mal se vêem e que o último trabalho foi gerado de forma estanque, com voz e instrumentos sendo gravados em sessões separadas. Esquisito, né?

E tem ainda o ângulo da idade e interesses musicais dos caras. Se Angles pretendeu mostrar a individualidade e maturidade de cada um deles ao distribuir de forma mais democrática a composição das faixas(foi-se o tempo em que Casablanca dominava a criação), o produto tinha que ser necessariamente multifacetado. E é isso que é, para mim, o último do Strokes, uma colcha de retalhos, um trabalho desigual que talvez busque a desconstrução do mito e das expectativas criadas sempre que o grupo dá a cara à tapa. Talvez eles queiram dizer que não pretendem mais ser vistos como os salvadores do rock, condição que, aliás, na minha concepção, é mera estratégia da indústria fonográfica que adora criar carências e ícones, já que o gênero, a meu ver, nunca precisou ser salvo.

Angles chega assim desnudado, dissecado e visto, pela maioria da crítica, como uma obra “estranha” ao mundo fervilhante e quase juvenil da banda novaiorquina pré First Impressions of Earth(2006). Tem alguns momentos realmente em que o disco soa como o velho e bom Strokes, aquele de guitarras nervosas e riffs marcantes, os que mais gosto inclusive. O rock urgente está presente, sem véus nem mágoas, nas muito boas “Under Cover of Darkness”, com suas cordas pulsantes e cozinha azeitada, e na ótima e também dançante “Taken for a Fool”, com sua linha matadora de baixo e guitarra, composição que poderia fazer parte de Is This It sem fazer feio. Nas duas, o grupo faz uma música direta, pop, sem firulas ou sem o “cabecismo” oco, típico de quem quer agradar os ouvintes mais intelectualizados.

A desconstrução e as novidades sonoras vêm com as outras oito canções desse curtíssimo álbum. Em poucos mais de 23 minutos de música, o Strokes é franco atirador. Mostra-se mais experimental, rendido a influências do passado, plural como a cabeça de seus integrantes. O grupo é sinthy-pop na simpática e melodiosa “Machu Picchu”, que abre o disco já chocando antigos fãs e na fraquinha “Two Kind of Happiness”. É grandiloqüente, sem dispensar a carga dramática, lembrando um pouco a emblemática Muse, na interessante e soturna “Metabolism”. E até soam um pouco bossanovístico, à moda da oitentista Style Council, na elegante pero sem graça e fora do tom “Call me Back”.

Ouça "Taken for a Fool":



Acho que toda essa pluralidade se deva a tal maturidade chegando sem apelo. E leia-se aqui honestidade e coragem de fazer aquilo que a partida banda quer na atual fase, sem muita preocupação em agradar gregos e troianos, goianos e baianos, sem concessões. Tem um pouco de cada um dos Strokes em Angles. Tem também um muito de uma banda que parece querer se reiventar, mesmo estando assim em pedaços. É um álbum franco e desigual. No que vai se transformar o Strokes depois disso? Aliás, será se vamos ter Strokes depois dessa declaração de independência chamada Angles? Como todo produto típico de uma transição, falta-lhe uma identidade, seu grande ponto fraco. Mesmo sem ser marcante, sem ser de cabeceira, é um disco respeitável. Deixemos, assim, os caras procurarem seu caminho. Sem crucificação. Devemos isso a banda.

Cotação: 3

Baixe por aqui:

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Os velhos:

http://www.4shared.com/file/Kh2-HcCG/The _Strokes_-_Angles__2001_.htm

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segunda-feira, 21 de março de 2011

Não é uma Brastemp

Aguardava com expectativa, assim como a maioria daqueles que assistiram a novela criada em torno do The Vaccines, o lançamento do primeiro álbum dessa banda que virou hype no meio da galera. A exemplo do Arctic Monkeys, o quarteto londrino se utilizou da internet para conquistar milhares de fãs espalhados pelo globo. Essa turma foi despejando, numa seqüência curta, quatro músicas com forte apelo pop, roquezinhos crus e diretos que pegaram na veia da molecada ligada na rede. Em cinco meses a banda virou notícia nas principais revistas especializadas em música e teve aquelas quatro canções reproduzidas nas rádios rock mais influentes da gringolândia. Até que lançou, depois do estardalhaço, o disco com título esperto, que brincava com o sentimento de espera que produziram afoitamente: What Did you Expect From the Vaccines?(2011), na tradução, o que você esperava do Vaccines?

1 minuto e 20 segundos de punk music. Ouça "Wreckin'bar(Ra Ra Ra)":



O que esperar de uma banda com menos de um ano de vida e que provocou alguma embriaguez e elogios desmedidos antes mesmo de lançar um trabalho concreto, um disco cheio? É preciso muito cuidado nessa hora. O melhor mesmo é se despir daquela expectativa, esquecer os aplausos antecipados e ver What Did you Expect From the Vaccines? como o debut de um grupo que não tem a pretensão, pelo menos no trabalho agora exposto a todos, de revolucionar o rock. Vamos deixar de lado também as comparações com Strokes, Libertines, Interpol e o diabo contemporâneo a quatro. Afinal, se fazem um som que lembra em alguns momentos estas bandas citadas é porque todos os que querem conquistar o mercado precisam de referenciais. E é bom que, no caso do The Vaccines, as influências sejam aquelas.

Vídeo da bacana "If you Wanna":



Admito que na primeira, segunda e terceira audição não vi nada demais no som desses quatro garotos, que listo agora, pra conhecimento dos meus poucos, porém amigos e fiéis leitores: Arni Arnason(baixista), Freddie Cowan(guitarra/voz), Pete Robertson(bateria) e Justin Young(voz/guitarra), que, dizem as más línguas, é o mais marrento e falastrão deles. O problema é que lá pela décima audição continuei com a mesma impressão. Os caras começam o disco botando pra quebrar com a pegada punk de “Wreckin’Bar(Ra, Ra, Ra)”, rock urgente que chama pra pista. Assim como a bem bacana “If you Wanna”, garageira e trepidante, canção que reforça a vocação do álbum para a despretensão e provoca a comparação com Strokes. Boa de toda. Dá vontade de sair dançando pela sala, mesmo sem qualquer aditivo.

Esse gás adolescente e pegada dançante, o rock básico e direto, estão presentes ainda na honrosa “Blow It Up” e na irresistível “Post Break-Up Sex”, composição de qualidade que selou o interesse da crítica pela banda. Aí, fechamos o ciclo das canções que abriram na web as portas para a ascensão vertiginosa do The Vaccines. Todas as quatro músicas comentadas até agora tem lá suas virtudes. São legais, sim, mas não têm aquele diferencial que faça a gente realmente se arrepiar. Não sei se isso é coisa de quarentão exigente que já ouviu muita coisa boa e está sempre a espera do novo redentor(sem qualquer conotação religiosa, viu!) do rock. O fato é que a sonoridade febril do quarteto traz aquela sensação de algo já ouvido antes. As outras seis músicas, com exceção da classuda “All in White” e sua energia contagiante, despertam, pelo menos no cara desconfiado que escreveu essa resenha, interesse menor.

What did you Expect from the Vaccines? tem ligeiros 35 minutos. Tem o dinamismo da internet, a dinâmica do nosso cotidiano e indústria cultural que constrói e destrói coisas belas, lembrando o meu guru Caetano Veloso. E, pensando nesse rolo compressor capaz de induzir a sociedade a amar ídolos venais e biafras, temo pelo futuro dos meninos do The Vaccines. Que não sejam mais um simulacro, fogo de artifício que encanta em poucos segundos e depois desvanece sem deixar rastro. Acredito que, nessa minha, realçada mais uma vez, teimosa fé na humanidade, a banda possa, sem querer cobrar muito, evoluir e oferecer um trabalho mais consistente e perene da próxima vez. Que a história ratifique minha esperança para a felicidade de quem, como eu, ama pra danar o rock and roll. Afinal, tempo é o que não falta a esses garotos.

Cotação: 3

Tente o download, antes tarde do que arde:

http://www.mediafire.com/?tngt2advaswt1p8

sábado, 19 de março de 2011

Folk dos branquelos doidos

Quando ouvi pela primeira vez o duo norte-americano The Dodos fiquei deverasmente bem impressionado. Tive a sorte de encarar, logo de prima, Visiter(2008) uma obra elogiada pela crítica, com idéias nítidas e uma boa dose de inspiração. Os caras de São Francisco pariram um disco melodioso com peças cheias de graça e personalidade, que trafegava tranqüilo e soberano entre baladas acústicas e canções um pouquinho mais carregadas de energia. É, registrei na memória, os meninos de São Francisco faziam parte daquele time de criadores que podemos classificar de acima da média. Aí veio um outro álbum, tão irregular quanto o anterior tinha de belo, Time to Die(2009). Depois de algumas escutadas, coloquei-o sem remorsos no baú das coisas esquecidas. Neste ano, eis que os rapazes fazem as pazes com a decência e lançam o respeitável No Colour(2011).

Veja exibição ao vivo do The Dodos cantando “Black Night”:



The Dodos é Meric Long, no vocal, violão, guitarra e Logan Kroeber, na bateria e percussão. Esses dois sujeitos são respeitáveis por uma sonoridade própria, complexa, na qual o duelo das baquetas e das cordas agiganta-se a cada audição. A bateria tem um toque marcante, tribal às vezes. O diálogo enérgico de sua batida com violão e guitarra com uma harmonia mais folk desperta os sentidos. Não se assuste, porém, com minha definição do som dos caras. A complexidade de que falei não é do tipo intransponível. Está mais para instigante. Do tipo “quero ouvir de novo”. É isso que incita o interessante No Colour. E se o trabalho não tem a fortaleza de Visiter, ele chega perto daquele insight.

O quarto álbum do Dodos começa nervoso. Ligaram a bateria de Kroeber no 220 volts e ela só se desliga no final, depois de 45 minutos de canções vivas, espertas. A batida marcada, quase marcial, desse instrumento abre e dá o tom de “Black Night”, uma admirável canção, clarividente cartão de visitas para o ouvinte. O que se escuta na sequência é uma série de canções com o mesmo poder inventivo que nos leva ao hipnótico universo acústico do duo americano. Em “Going Under”, guitarra e violão parecem bailar desencontrados diante das baquetas potentes. As mudanças de andamento, a voz firme e afinada de Long contribuem ainda para fazer dessa uma das melhores composições do CD. O baile descompassado das cordas pode ser percebido ainda em “Don’t Stop” e “Good”. Ouça o violão melodioso em guerra com a guitarra mais esganiçada. É o folk dos branquelos doidos.

Escute “Don’t Try and Hide It”:



Long e Kroeber estão decididamente mais barulhentos e sujos em seu último trabalho. A evidente garra e intempestividade das canções não é amenizada nem pela presença da doce ruivinha Neko Case, parceira do The New Pornographers. Case, em sua carreira solo, é autora de alguns dos trabalhos folks mais divinos que ouvi nos últimos anos, caso de grande Middle Cyclone(2009), que já resenhei neste meu humilde blog, e do bem amado e excepcional Fox Confessor Brings the Flood(2006). A artista é presença como backing vocal em várias músicas, a exemplo da bacana “Sleep” e da linda e mais calminha, com refrão mântrico, “Don’t Try and Hide it”, uma das que mais me agradou nesse equilibrado álbum.

No Colour é um trabalho que recoloca o The Dodos no trilho que construíram com solidez no início de carreira. Para isso o duo contou com o auxílio luxuoso de John Askew, que produziu e afinou o já citado Visiter e Beware of the Maniacs(2006), o primeirão da banda. Com isso, os dois de São Francisco voltaram para um terreno que conhecem bem, para a zona de tranqüilidade. E reaparecem também menos experimentais, mais maduros, e, benza-te Deus, com a mesma inquietude criativa, pena e instrumentos afiados. A gente só agradece.

Cotação: 4

Linke-se ao som dos caras:

http://www.mediafire.com/?uaco4dox39puoxg#1

terça-feira, 15 de março de 2011

Misto quente abaianado

De quando em vez esse nosso imenso e desregrado país, em meio a corriqueiras notícias de corrupção e tragédias anunciadas, nos delicia com aquilo que o faz realmente grande e único: a mestiçagem. Não adianta fugir dessa doce condição: somos vários e plurais. Da pigmentação da pele ao gosto musical moldado pela irrequieta alma que tem uma inequívoca vocação para a festa. E, de vez em quando também, essa natural musicalidade provoca redescobertas que só reforçam admiravelmente nosso DNA. O álbum de estréia do projeto Baiana System é um exemplo cabal e luminoso disso. Uma bela experiência e homenagem que está trazendo de volta às ruas e palcos a estridente e brasileiríssima guitarra baiana, passeando agora por mares e timbres nunca dantes navegados.

Veja ensaio da música “Da Calçada pro Lobato”:



A guitarra baiana, ou guitarrinha, como apelidaram carinhosamente os soteropolitanos, é uma invenção do diabo. Foi criada lá pelos idos dos anos 50 do século passado pelos geniais foliões Dodô e Osmar, que deram ainda a ela um berço móvel para desfilar e que se tornaria para sempre um ícone do povo baiano, o trio elétrico. Um e outra são contemporâneos endiabrados, genuínas máquinas de produzir barulho e alegria. O disco do Baiana System, que leva o mesmo título do projeto, resgata essa farra musical, incrementada com outras sonoridades tão diversas quanto possível, sem perder a brasilidade jamais. Raízes nordestinos, levadas orientais, samplers e dub jamaicano(daí o system do projeto) são temperos comuns, mestiços, que, juntos ao miúdo instrumento baiano, fazem de Baiana System(2010) um irrecusável convite a festa.

Ouve aí “Oxe como era doce”:



Esse é um daqueles álbuns que eu deveria ter sido resenhado ano passado. Mas, nunca é tarde para se redimir, entrar em contato e se apaixonar por esse fervilhante trabalho. Até porque ele traz de volta a musicalidade e originalidade de um carnaval que, antes da ascensão da monstruosa e milionária indústria da axé music, conduzia milhares de pessoas ao êxtase numa democrática Praça Castro Alves, em Salvador. Sem abadás e sem cordas elitizantes. Atrás do projeto Baiana System, está sem mentor, o músico Robertinho Barreto(na foto aí do lado), que fez um bom trabalho a frente da banda Lampirônicos e, desde aquela época, sempre acreditou no poder da guitarra baiana e da mestiçagem. “Eu sou mestiço, acredito na mistura”, discursa o vocalista Russo Passapusso na ótima “Systema Fobica”, homenagem ao primeiro trio elétrico, uma fobica, que arrastou a multidão e também uma síntese da proposta plural do trabalho.

Se a guitarra baiana é a base do trabalho, como defende Robertinho Barreto, a magia se dá mesmo é pela generosidade com que ela se amalgama tão organicamente com outras referências musicais. O instrumento, tocado com agilidade, apimenta o som punk da guitarrada paraense na fantástica, e uma das melhores do disco, “Da Calçada pro Lobato”, música pra animar qualquer festa de responsa. A guitarra soteropolitana convida ainda uma cítara indiana para tocar um dueto com sotaque nordestino na boa “Amerikha Expressa”. E tem muito mais mistos quentes no trabalho, sempre, repare bem, com pitadas do dub jamaicano. Exemplo de “Jah Jah Revolta”, que tem uma versão aDUBada no final do CD, um ragga hipnótico com letra que abusa naturalmente do clássico vocabulário rasta, tipo babilônia em chamas. E também da já citada “Systema Fobica”, com muito reverb, loops e participação de B Negão, um quase sócio do Baiana System.

E antes que um leitor mais incauto, desconhecedor da história dos carnavais baianos de outrora, ouse imaginar que Ivete Sangalo ou Cláudia Leite vão dar uma palhinha no disco, recomendo: vá direto para a faixa 10, “Frevofoquete”. Aqui o bicho pega e a guitarra baiana soa, não como a indigente axé music, mas como um revival dos vigorosos e ricos tempos em que Dodô, Osmar e Armandinho eram soberanos nas ladeiras de Salvador. Nessa provocante composição, o vocalista convida o ouvinte a criar seu “sound system satélite em volta da terra e fazer seu próprio carnaval para a humanidade”. Seria esse o carnaval do futuro? E para mostrar de vez que esses baianos são diferentes do lugar comum, sugiro uma passadinha pela anordestinada faixa 1, a linda instrumental “Nesse Mundo”, e a minha preferida, a sensual “Oxe como era doce”. Oxe, isso é que era carnaval.

Cotação: 4

Se toque para a guitarra baiana:

http://www.4shared.com/file/Kkm9dTFj/DNA_Baiana_System__2010_.html

domingo, 13 de março de 2011

Trilha com substância

No nordeste profundo, onde a paisagem árida mistura galhos secos, homens secos, tapetes de seixos, o azul amortecido pelo sol inclemente, no mundo descrito por Euclides e que parece ter parado no tempo. Ali, num outro Brasil, o sertão que vai virar mar, vi um dia um burro morto. A boca escancarada, cheia de dentes, o corpo avolumado pela morte, inchaço festejado por milhares de moscas que preenchiam com seu zunido o silêncio do nada ao redor, olhos duros, fitando quem passasse em frente. O burro morto é uma presença triste naquele universo onde o bicho representa resistência e trabalho. Fim da resistência. Pra quem é nordestino, a imagem cala. Vi o animal morto por uns instantes naquele nordeste profundo.

Veja clipe de "KalaKuta":



O burro morto que inspira pesar foi a mesma imagem que incitou também garotos paraibanos a formar uma banda instrumental com aquele nome. Que faz um som que também cala. Seguem o caminho aberto pelo pioneiro Hurtmold, paulistanos cultuados e de responsa, e pelos talentosíssimos matogrossenses do Macaco Bong, autores de um dos petardos mais aclamados pela crítica em 2008, o bem tocado e fantástico álbum Artista igual Pedreiro. Meninos atrevidos os da Paraíba, com cultura musical e potencial para fazer trilhas de filmes. E eles usaram aquilo que mais parece influenciá-los, a black music e o experimentalismo, para produzir com toda independência um disco surpreendente, trilha sonora de filme, chamado Baptista virou Máquina(2011).

Não assisti o filme, mas ele parece estar incluído naquele gênero mais moderno e interativo de obra orgânica, coletiva, na qual música, imagem, a cargo do cineasta Carlos Downling, e design gráfico, pilotado pelo incrível Shiko dialogam e se complementam. Na obra cinematográfica, Baptista vive num mundo cerebral, frio, onde as pessoas vivem para trabalhar. Um dia ele sonha nos prazeres que a humanidade está perdendo com sua sanha workaholic. Sonha com sexo, amor e diversão. Esse roteiro inspirou a música que inspirou as imagens. O resultado é uma trilha musical robusta, com timbres e matizes ricos que marcarão, com certeza, a carreira do grupo paraibano e já marca o ano de 2011.

Escute "Cataclisma":



O álbum do Burro Morto é o segundo da carreira. O primeiro, na verdade um EP, Varadouro(2009), já havia chamado a atenção dos antenados de plantão. Diferentemente do Macaco Bong, que faz um som mais stoner rock, os caras da Paraíba buscam, pelo menos nesse Baptista virou Máquina, no jazz, no funk, no afrobeat e no rock, o verniz para suas composições. E ousam com um conteúdo que não dispensa improvisações e até atonalismo. Em “O Céu acima do Porto”, que abre com impacto o disco, psicodelia e teclados setentistas servem a uma melodia forte, que ecoa em nossos ouvidos. Elementos funkies fazem a delícia de músicas como as bacanas “Transistor Riddim” e “KalaKuta”. Reparem, nas duas, no contraponto feito por guitarra e teclado.

Os bons instrumentistas do grupo (Haley Guimarães, guitarra, Daniel Jesi, baixo, Leonardo Marinho, saxofone e guitarra, Vitor Afonso, percussão, e Ruy Oliveira, bateria) exercitam seu lado jazzy em bons momentos do CD, como a instigante “Baptista, o Maquinista”, um jazzinho que, sem resistir, cai no samba e a animada “Luz Vermelha” com sua cama percussiva minimalista e ecos de nordestinidade. Mas, existem outras referências que deixa claro que a galera leva o trabalho de pesquisa musical a sério. E demonstra ainda que os caras querem sair do lugar comum, provocando nossos sentidos. A climática “Volks Velho” experimenta do nada fácil atonalismo sem passar vergonha. “Cataclisma”, por sua vez, traz elementos da música árabe numa das melodias mais bem acabadas do álbum. Enfim, é trabalho com substância que vale, mesmo pra quem não é fã de música instrumental, uma boa escutada.

Cotação: 4

Taí o instrumento para ouvir Baptista...:

http://www.4shared.com/file/yftuSJo0/DNA_Burro_Morto__2011_-_Baptis.html

Obras do ilustrador Shiko para o filme Baptista virou Máquina:


sexta-feira, 11 de março de 2011

Aula de reabilitação

Me lembro muito bem. Era uma sigla um tanto elaborada, quase uma equação, quase misteriosa: R.E.M. Significava Rapid Eye Moviment, movimento rápido do olho, aquele vai e vem nervoso e inapelável de nossos olhos enquanto sonhamos. Ficava me indagando, em fins dos anos 80, imberbe como era, por que cargas d’água alguém colocaria um nome desses numa banda de rock. Divertia-me com o fato, vendo aquelas três letras rodopiando em 33 RPM na minha vitrolinha. Contudo, mais do que isso, me encantava a atitude do trio cabeça norte-americano que tentava inocular alguma inteligência num meio musical marcado por doidões e irresponsáveis. E os três agora retornam com fortes lampejos da mesma energia seminal que marcou minha vida. O R.E.M está de volta com Collapse into Now(2011), um álbum para ressuscitar a paixão dos fãs.

Ouça “Alligator Aviator Autopilot Antimatter”:



Michael Stipe, o careca vocalista com ares de serial killer, o virtuoso Peter Buck, dono do posto de guitarrista principal da banda, e Mike Mills, no baixo vibrante, retornam à ativa com todo o gás. Com os rostos vincados por quase três décadas de estrada e três anos depois do irregular Acellerate(2008). Como garotos iniciando a carreira no louco mundo do rock and roll. Fazem de Collapse into Now um trabalho com arquitetura idêntica dos incensados, com toda justiça, Out of Time(1991), que catapultou o grupo à fama mundial, e Automatic for the People(1992), um dos meus preferidos. Resgatam aquele misto de canções acústicas e rocks endiabrados que deixou crítica e público extasiados.

O décimo quinto CD da carreira do R.E.M está sendo classificado por muitos resenhistas e críticos como o melhor trabalho do grupo desde Monster(1994). Não gosto de me levar por essa onda, até porque, pelo que representaram e representam ainda para o rock, a galera de Geórgia(EUA) é sempre vista com alguma condescendência. Convenhamos, já puxando o freio de mão, o disco não é tanto céu, nem tanto mar. A doce maresia, com cheiro do passado glorioso da banda, pode ser sentida nas baladas com moldura acústica do disco. Pelo menos duas delas têm a carga emotiva e a inspiração que marcaram os melhores anos de Stipe e companhia. Trata-se da comovente “Oh my heart”, com bandolim e violão acústico servindo de cama para uma melodia realmente arrebatadora e refrão robusto, e a também bonita “Walk it back”, com arranjo e tessitura delicadíssimos.

Veja vídeo de “Discoverer”:



Há ainda baladas não tão inspiradas e outras dispensáveis, como “Blue”, que fecha o disco com a participação dedicada da grande Patti Smith. A fabulosa artista tenta até salvar essa música soturna que nada acrescenta ao relicário do R.E.M, mas naufraga. “Every Day is Yours to Win” é outra que se perde e definha em sua batida repetitiva. Melhor mesmo é ficar com os rocks mais ligeiros e dançantes, esses sim, levados da breca e instigantes. Como não sorrir cúmplice, para quem já conhece a banda, ouvindo a rápida e certeira “Alligator Aviator Autopilot Antimatter”, que lembra a matreirice de “Shine happy people” e possui um refrão super poderoso. Alegres com a própria criação e plenos de maturidades, os três músicos esbanjam energia e vigor nas duas músicas que abrem barbaramente o disco e botam qualquer um pra rachar o assoalho, as bacanudas “Discoverer” e “All the Best”.

Diante de tudo isso, temos sim uma obra madura e que revela um R.E.M transbordante de boa vontade e querendo fazer todo mundo feliz. Surpreendem com esse revival com mais altos do que baixos e deixam os fãs com orgulho e gostinho de quero mais. O álbum não é a sétima maravilha. Mas, Stipe, Buck e Mills demonstram que ainda têm muito o que oferecer e, pelamordedeus, não cobrem deles a mesma magia do passado. São outras ondas, outro mundo. Mundo de tsunamis e terremotos pavorosos. De jovens que se rebolam ao som axés sem sentido tipo “tchubirabirô”(ou algo que o valha). O que fizeram com Collapse Into Now já é uma puta aula de rock e reabilitação, um disco para se guardar com muito carinho.

Cotação: 4

Baixe rápido now antes que esses novos links entre em colapso:

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quarta-feira, 9 de março de 2011

Bom gosto e explosão

Na década de 70 do século passado, muitas bandas mergulharam em viagens psicodélicas criando um som climático, com teclados imitando barulhinhos espaciais e instrumentação pomposa. Trilha sonora ideal para quem curtia ganja na paz, música mais cabeça e contracultura. Era o rock progressivo que invadiu as vitrolas tornando famosos nomes como Yes, Emerson, Lake and Palmer, Jethro Tull e o mais popular deles, Pink Floyd. Quem tem mais de 40 anos sabe que a história foi séria e teve milhões de adeptos, para desespero dos pais caretas. O gênero, que hoje parece datado, talvez tenha ganho, nesse início de ano, uma das mais belas e vigorosas homenagens feitas por uma banda em atividade. O nome do petardo é Tao of the Dead(2011), último álbum da irrequieta ...And You Will know us by the Trail of Dead.

Os texanos do The Trail of Dead nunca esconderam sua admiração pelo rock progressivo. Os seis discos anteriores demonstravam aqui e ali vestígios dessa paixão. Mas, a sonoridade ensandecida do grupo escapava, como enguia, de rótulos. É música contemporânea, complexa, barulhenta. Discos como o bom Madonna(2000) e a obra-prima Source, Tags and Codes(2002) eram exercícios musicais de rock mais próximos da experimentação do que do palatável, do convencional. Ganharam muitos admiradores, incluo-me aqui, e detratores em função disso. Com Tao of the Dead assumem com muita honestidade uma linha mais orgânica, classificável. Resolveram fazer um rock descaradamente progressivo. E de muito bom gosto e explosão.

Ouça a instrumental “The Fairlight Pendant”:



A pretensão resultou no disco mais coeso do grupo norte-americano. Há coesão nos arranjos da maioria das músicas, que se assenhoram de elementos clássicos do progressivo. Estão lá teclados e guitarras viajandonas, que remete invariavelmente ao Pink Floyd experimental do imprevisível Ummagumma(1969), com direito a barulhinhos espaciais e ecos. É o que se vê na boa “Cover the Days Like a Tidal Wave” e na envolvente, como uma espiral mesmo, “Spiral Jetty”. Está lá a psicodelia em momentos inspirados do álbum, como na poderosa e instigante instrumental “The Fairlight Pendant”, com seu ar épico e guitarras que lembram, repare bem meu amigo e sobrinho Danica, as intensas jams do Doors. E há, principalmente, muita porrada, uma parede sonora multifacetada, marca do grupo, que se encaixa perfeitamente na proposta do disco.

Esse é um disco raro e barulhento, próprio para quem tem as paredes dos tímpanos bem sólidas. As guitarras têm peso decisivo em boa parte das composições. Casos da excelente “Pure Radio Cosplay”, que é um emblemático cartão postal do trabalho. O clima progressivo CD está todo ali, como cartas postas sobre a mesa. Dos riffs alucinados às mudanças de andamento, a canção é um espelho da dedicação e da maturidade dos músicos que estão juntos, pelo menos a base, desde 1994. O multiinstrumentista e vocalista Conrad Keelly e o baterista e também guitarrista Jason Reece, fundadores do The Trail of Dead, convidaram os produtores Chris Smith(que assinou trabalho com Yeah Yeah Yeahs e Beach House, entre outros) e Cris Coady(produtor do primeiro disco da banda) para criar uma obra honesta e forte, com verniz nostálgico, mas que não se despluga dos dias de hoje.

Tao of the Dead é um álbum que, para muitos, pode soar linear. Ledo engano: esse é um trabalho que precisa de nossa paciência para ser compreendido em toda a sua essência. É sim rock progressivo na veia, mas possui detalhes e referências modernas que só serão percebidos depois de várias audições. E a banda tem lastro e história para merecer nossa atenção mais apurada. Essa riqueza é sentida no épico que dá título a segunda parte do disco (perceba: a primeira tem onze músicas sem pontuação de uma para a outra), uma sinfonia de 16 minutos cheia de surpresas. “Tao of Dead part two: Strange News from Another Planet” tem mudanças de temperatura feita em transições suaves, mágicas. É doce e amarga, ruidosa e atmosférica em instantes precisos. Uma grande composição, no tamanho e na criação. Um luxo para quem tem coragem e experiência. E isso ...And You Know us by the Trail of Dead tem de sobra.

Cotação: 5

Vá de progressivo:

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Na falta de um vídeo do último trabalho assista clip de “Another Morning Stoner”:

segunda-feira, 7 de março de 2011

Como uma brisa no verão

Nenhum gênero musical é tão americano quanto o country e o folk. Esses dois carregam um pouco a alma caipira, a cultura interiorana de alguns milhões de norte-americanos, aqueles de botas e camisas quadriculadas, que estão longe de serem exatamente cosmopolitas. E geraram obras-primas protagonizadas por medalhões como Bob Dylan e Neil Young (que é canadense, mas ajudou a dar uma identidade aquele tipo de música). Alguns nomes contemporâneos corporificam os dois gêneros, às vezes, buscando novas roupagens, como o grande Wilco, em outras, bebendo mesmo da fonte, sem buscar inovações. Neste último caso temos The Decemberists, que lançaram no início do ano o redondo e inspirado The King is Dead(2011).

Ouça “June Hymn”:



Alt country, folk rock, country rock, todos os rótulos cabem no último álbum do Decemberists. O trabalho vem na contra corrente do cultuado e grandiloqüente, The Hazards of Love(2009), na verdade uma pausa no estilo frequentemente folk impresso à carreira do grupo. The King is Dead é o sexto do currículo. E talvez o mais despojado de todos. E foi isso que mais me agradou nas primeiras audições do CD. Há uma simplicidade escancarada, epidérmica, que casa como uma luva às engenhosas melodias. As canções, que se utilizam muitas vezes dos elementos mais convencionais do country e folk, como a gaita e o acordeão, têm força e beleza próprias. E é essa fortaleza que compensa um certo comodismo do grupo, que não ousa nos arranjos ou instrumentação e não busca, aqui, a reinvenção.

O vocalista Colin Melroy caprichou, como sempre, nas melodias e letras. Ao lado de Chris Funk, nas cordas, Jenny Conlee, no acordeon, John Moen, na batera, e Nate Query, no contrabaixo, produziram um set list de invejável equilíbrio. Quase todas as músicas do disco têm o mesmo poder indutor. Baladas luminosas como “Rise to Me”, com um lindo solo de harmônica, a triste e bela “Dear Avery”, e “June Hymn”, uma das mais tocantes do álbum, são de um lirismo a toda prova. Afiadíssimas, são daquelas que ficam repercutindo em nossa cabeça, como as boas lembranças. Difícil não se render a qualidade pop dessas criações e aos bons arranjos que, em certas horas, se amparam em base acústica, a exemplo de “Rise to Me”.

Assista ao clip de “Down by the Water”:



As músicas mais ligeiras e dançantes são também ganchudas. “Don’t Carry it All”, que abre o disco, lembra um pouco Bob Dylan, com a gaita comendo solta e um belo arranjo vocal. Nesse trabalho, aliás, The Decemberists contou, nos vocais, com a participação de Gillian Welsh, uma talentosa cantora norte-americana de bluegrass. Mas é uma outra presença especial, a do guitarrista Peter Buck, do REM, que contribui para alguns dos melhores insights de The King is Dead. Essa banda, aliás, é uma das grandes influências de Melroy e companhia. Buck empresta sua guitarra para esquentar a já citada “Don’t Carry it All” e ainda “Calamity Song” e a ótima “Down by the Water” e seu refrão grudento, que se manteve numa posição respeitável, durante algumas semanas, na parada gringa.

Com The King is Dead, os novos caipiras do Oregon, reforçam seu prestígio junto ao público indie e abrem as porteiras para ganhar outros e diferentes tipos de fãs. Encontraram o caminho da simplicidade e resolveram fazer músicas para tocar o coração. Desenvolveram uma matemática simples, somando influências do passado a melodias objetivas. Conseguiram uma boa equação em rápidos 40 minutos, tempo que o último trabalho do Decemberists leva para tocar em seu aparelho de som. Esse registro sonoro é assim: rápido, leve e encantador como um sopro de brisa no verão. Talvez ele nunca se transforme no álbum de sua vida, mas de quando em vez você vai pegá-lo tocando em sua vitrolinha.

Cotação: 4

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quinta-feira, 3 de março de 2011

Música de época

Houve um tempo em que para conversar a distância as pessoas usavam a invenção de Graham Bell. Nada de twitter, MSN ou outras modernidades que viciam hoje tanta gente. Época também em que a violência não tinha contornos doentios e nem grassava tanto. Quando ser romântico fazia parte da cartilhinha de todo aquele ou aquela que pensava em conquistar alguém. Esse é o mote da paulista Bel Garcia, ou melhor, Blubell, que lança o segundo trabalho, cinco anos depois do interessante Slow Motion Ballet(2006). E Eu sou do tempo em que a gente telefonava(2011) tem esse tom nostálgico, como antevê o título e a capa do álbum. Gosto de um passado mais ingênuo, de salões de dança com grandes orquestras e casais vestidos com elegância.

Veja clip de “Chalala”:



É tudo intencional. Blubell cercou-se dos competentes músicos da banda de jazz À Deriva, com quem mantém antiga parceria, em busca de uma sonoridade mais classuda. Na massa instrumental, estão lá, tinindo, o quarteto talentoso formado por Rui Barossi(baixo), Guilherme Marques(bateria), Daniel Muller(piano) e Beto Sporleder(sax e flauta). Eles contribuem para que Eu sou do Tempo em que a gente telefonava respire, em alguns dos seus momentos mais marcantes, um ar jazzy. Já em “Música”, que abre o CD, o paredão instrumental ataca com uma levada que remonta ao jazz primevo, um charlestone com a voz de Blubell gravada com efeito radiofônico. Música de bolachão 10 polegadas. Só faltou mesmo o chiado.

O jazz e sua natural elegância está presente também em “Triz”, uma das boas músicas do álbum, com letra afiada de Blubell. Uma canção de melodia clara, sedutora, e arranjo encorpado entronizando a poesia inteligente. “Já compreendi que o movimento ajuda a gente a existir/e que o pra sempre fica a um palmo do meu nariz”, canta a moça. Dentro ainda do refinado e clássico receituário da artista, que canta em inglês e português com a mesma naturalidade, ela passeia pela soul music na bonita e sinuosa “Good Hearted Woman” e pela bossa nova, dessa vez sem tanta inspiração, na dispensável “Estrangeira”. Todas essas músicas servem ainda como instrumento para a linda e afinada voz da paulistana, que mostra uma concreta evolução e segurança desde Slow Motion Ballet.

Mas, nem só de referências ao passado vive o segundo álbum de Blubell. O pop moderno e iluminado que chamou a atenção da crítica no disco de estréia volta em canções assobiáveis. Caso de “Chalala”, música de abertura da divertida minissérie “Aline", da TV Globo. A letra afoita mostra que a compositora domina o verbo, além da voz: “Se você é uma farsa, eu sou uma versão. Se você é o caos, eu sou a confusão. Se você der a música, eu faço o refrão”. Pronta para tocar no rádio. Na mesma linha confessional, “1,2,3,5”, também com melodia de apelo pop, deve agradar aos indies de plantão. São exceções dentro de uma proposta musical minimalista, voltada para um público com ouvido mais treinado.

Pessoalmente, sinto falta de uma certa ousadia candente em Slow Motion Ballet, que considero superior a esta segunda obra. Menos preso a uma linha, a um conceito sonoro, nesse caso, a uma música da época em que as pessoas se telefonavam, Blubell se permitia experenciar um pouco mais. E são os lampejos de criatividade, a fuga do convencional, que mais me encanta no recente CD. E isto é visto lá pelo finzinho do álbum, nas composições com sonoridade que sai do lugar comum, como em “Pessoa Normal”, que tem a participação da revelação Tulipa Ruiz, um misto de tango e MPB, e “Velvet Wonderland”, na qual assume uma faceirice que só as brasileiras têm. Torço para que esta seja uma indicação do que está por vir por aí. Blubell pode.

Escute “Pessoa Normal”:



Cotação: 3

Faça uma ligação:

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