sábado, 24 de dezembro de 2011

Desse dia de família e abraços

Natividade, na visão da modernista Anita Malfatti
Chega o dia 24 de dezembro e o ar fica, invariavelmente, carregado daquilo que a emblemática data impõe. Tantas luzes colorindo a noite, tanta gente no comércio enfezada com o natural atropelo de corpos e ansiosa para fugir o mais rápido possível do enxame provocado pelo consumo. Tantas mulheres nos salões de beleza buscando fórmulas e equações químicas para ficarem diferentes e sedutoras. Vai aí uma escova inteligente? Tantos homens fazendo contas para otimizar os salários a reboque de promoções e desejos da família ávida por uma noite feliz. Tantas crianças contando as horas para ver o que aquele tal salário lhes reservou de surpresa, embalada em papéis coloridos com todo o carinho. Impossível ficar alheio diante dessa aura fervilhante que nos invade os poros, a cabeça, a imaginação. É como um arrastão que nos faz rodopiar envolto por essa necessidade de estar bem. Tem horas, contudo, que essa imposição cultural cansa. Faço parte daquele grupo que acha o natal uma data triste, talvez por essa overdose de esperança, de sentimento de felicidade, essa fortuita alegria que nem sempre condiz com a realidade e nos é empurrada goela adentro. Somos como joguetes desse clima de oba oba, travestido de vermelho e luzes brilhantes. O espírito de natal, creio, deveria ter um romantismo, uma suavidade, um senso de compreensão como aquele impresso nos filmes água com açucar de Frank Capra. E isso pode ser resgatado por uma simbiose que está dentro desse fundamental organismo chamado família.


O natal, segundo Cândido Portinari
Não quero ser moderninho, nem ser a voz do contra. Natal é família. Não tem jeito. E família é um universo intrigante e pra lá de importante que alguns burramente não valorizam. Gosto de ficar na praça toda enfeitada com meus parentes vendo aqueles menininhos e menininhas vestidos de papai noel, dançando uma coreografia marcada e cantando a plenos pulmões, um em cada janela, daqueles imponentes prédios antigos aquelas mesmas canções. Ainda que seja uma “ô happy day” com inglês torto e desafinado. Aqui, sinto o espírito do natal lambendo minha pele. E há algo que mexe dentro de mim, quando vejo na cabeça estática voltada para cima os olhos de minha mãe e de minha irmã com um brilho que não é o usual. “Voltei a ser criança, tou aqui na praça ouvindo o coro das crianças”, contou a mãe num celular para uma amiga. E era isso mesmo, pensei comigo olhando divertido para ela. Ela como uma criança. Como aquelas que estavam uma em cada janela. Uma pausa para o desasossego. Uma cena frugal que trazia o desapego do natal, como sempre imaginei, e que só é possível do lado da família.


O natal primitivista de Antônio Poteiro

Meu natal foi sendo construído dias antes do 24 de dezembro em cada encontro que tive com minha  numerosa família. Na praia, olhando o mar, discutindo literatura com minha irmã tão cheia de verbos cheios de significados, tava ali o natal. No bar, eu e os irmãos, abduzidos pelo álcool e uma mesa farta, entoando em coro uma velha canção que marcou nossa infância. Como crianças nas janelas do prédio barroco. Andando de noite no centro da cidade já aliviado da carga frenética do dia, lembrando de dias de paz, tava ali o natal. No colo quente da mãe, vendo fotos de uma viagem repleta de memórias felizes e descobertas. Na visita do sobrinho, com seus filhos bonitos, refazendo as perdas e ganhos do ano sob o olhar atento da esposa zelosa, tava ali meu natal. No apartamento do irmão solteiro, trocando impressões sobre música, vigiados pela Laurinha Toda Pura, o título sacana da foto da moça pelada que está grudada na parede branca. No show da Veronica, um cantor fingindo-se de travesti, junto do sobrinho mais gentil que alguém poderia ter. Em todos esses instantes, sentia um conforto que as relações simples, diretas, cosanguíneas tem o poder de oferecer.

Antônio Gomide e sua visão do natal
Escrevo esse texto horas antes da confraternização oficial da família, com seus fatais perus, chester, farofa, arroz metido a besta, algum choro e abraços calorosos dos parentes. Vou fartar-me da carne, mas quero mesmo é consumir sem restrições, com o que a gula tiver de mais pecaminosa, o abraço efusivo de irmãos, mãe, sobrinhos e primos. E poder retribuir essa ternura com a mesma intensidade e paixão. E quero guardar a memória desse momento por todos os dias do ano que vai entrar, me retroalimentando dessa energia familiar como um urso que se prepara disciplinado para a hibernação, certo de que guardou em si as doses exatas para permanecer forte até o próximo inverno. Quero ser tomado no natal pela família. Sem firulas. E só isso para mim importa: fazer desse dia uma ode interna a ela. Simplesmente fazer parte dela e ser feliz. Simplesmente.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ah, se meu apartamento falasse

Cícero em seu apartamento: momentos de solidão e reflexão
Antes havia Alice e esse era um tempo de planos e sonhos, como só uma paixão cultivada com apreço e zelo pode gerar. Era como a gravidez de uma felicidade futura. Alice e seus três cuidadores, um quadrilátero amoroso. E tinha naquela época uns tantos outros que tendiam a se multiplicar na comunhão do mesmo interesse e que viam Alice com olhos admirados tanto quanto podia uma admiração gerar, seduzidos talvez por uma proposta de casamento duradouro, daqueles sérios que prometem se perpetuar no altar, e que ela, sem pudor, provavelmente inspirava. Dizem testemunhas que, quem a viu, fez juras eternas e rezava fervorosamente para que ela amadurecesse com o mesmo vigor com que aparecia nas noites fluminenses. Mas, Alice, dois filhos depois, despediu-se melancolicamente. Partiu sem dizer se voltaria. Dos três orfãos que fizeram de Alice uma banda cultuada na segunda metade da década passada, um voltou tentando reprisar a intensidade que a precoce desaparecida produziu. Cícero Lins é o nome dele. E o primeiro trabalho solo,  Canções de Apartamento(2011), um exercício confessional de precisa beleza. Alice não mora mais naquele apartamento e nem vaga mais pelos bares e palcos. Cícero, esse, ficou no ap. escrevendo canções tão melancólicas quanto a sua sensibilidade podia gerar. E o resultado da viagem interior adentro foi esse disco de apego à poesia e a solidão.

Assista ao clipe de “Tempo de Pipa”:



Não ouvi os dois filhos da Alice, Anteluz(2005) e Ruído(2007). Deles, dizem que muita guitarra havia, um pendor para o rock que não mascarava no reboco das construções melódicas o flerte com a MPB. Canções de Apartamento é, nessa perspectiva, o namoro enfim consumado com o gênero. E uma assunção explícita, com nome aos bois e tudo. Pipocam as influências descaradas e escancaradas de alguns ídolos de Cícero, que aparecem marcados nas letras instáveis e nas melodias inspiradas. Está lá o Caetano tropicalista de “Baby”, tomando emprestado o violão do baiano na abertura daquele clássico para a concretista “Vagalumes Certos”, que também é citado na letra: “Vamos ver um filme, ter dois filhos, ir ao parque, discutir Caetano”. Tom Jobim aparece, por sua vez, nos passeios de Cícero de mãos dadas com a Bossa Nova em uma, duas canções. Na mais direta delas, “Pelo Interfone”, o compositor carioca reencontra Dindi, um dos personagens mais ilustres daquela requintada MPB, para fazer um lamento sentido: “Ai, Dindi, se tu soubesses como machuca, não amaria mais ninguém”. O genial pai de Dindi ressuscita objetivamente na canção de Cícero, ao lembrar do “disco de Jobim” que embalou um inesquecível romance. 

Capa de "Canções de Apartamento"
E como todo autor que desconhece fronteiras e se pluga nesse mundo veloz que come e regurgita com a mesma dinâmica desde lampejos geniais, como a música de Tom Jobim e Tom Waits, a baboseiras como Justin Bieber e Lady Gaga, Cícero permite-se beber em fontes estrangeiras. As mais consistentes, é claro. É possível sentir, de raspão, a presença de poucos e bons grupos de rock que fazem a história do gênero. Do agora previsível Coldplay, há a guitarra climática e o tom menor no meio da tristíssima “Eu não tenho um barco, disse a árvore” coroando uma letra sobre o fim de uma relação amorosa. “A gente sempre deixar de cuidar o que se tem na mão. Mas, é sem querer. É sempre sem querer”, justifica os versos desencantados. Há ecos do cultuado Radiohead nas entranhas de “João e o Pé de Feijão”, talvez a mais bela construção melódica desse Canções de Apartamento. Barulhinhos eletrônicos e um violão acústico minimalista e soturno reforçam essa sensação. Quem se dispor a fazer uma decupagem melhor do disco, verá outras referências musicais, pops ou não, que fazem do trabalho do carioca uma instigante obra em aberto nessa bacana junção de rock, em menor grau, e MPB.

Ouça "Ensaio sobre ela":

Cícero destila em sua estréia canções que, além das referências citadas, trazem uma assinatura própria. A maioria delas marcadas por uma poética low-profile, orgânica, prenhe de intimismo. Esse diário pessoal do artista define uma identidade única a músicas sobre amores perdidos, casas desarrumadas e solidão. Esse universo é desenhado por uma poesia ora seca e enxuta ora mais discursiva. Em “Vagalumes Cegos”, a letra é cheia de pontos e imagens estanques, como num mapa todo segmentado, concretista. “Nem sei, desses dias cheios/Meio-dias gastos/Elefantes brancos/Vagalumes cegos, meio emperrados”. Meio umbigo dele, na verdade. Cícero acerta o alvo quando mais explícito, como na bela “Açucar ou Adoçante”. “Entra para ver como você deixou o lugar/Mas tira o sapato pra entrar/Cuidado, que eu mudei de lugar algumas certezas pra não te magoar”. Nos dois casos, ansioso ou mais barroco, há um poeta que busca se mostrar por inteiro, sem medo do revés da crítica. E olhe que a parte mais enfezada dela chegou a questionar a qualidade dos versos do autor. O que é lícito, afinal Cícero é apenas um jovem, um promissor jovem, em busca de um lugar ao sol tentando, com coragem e paixão, com erros e acertos, qualificar seus versos. 

Poeta sensível, Cicero tenta impor sua escrita
Letras a parte, Cícero mostra-se mais consistente nas melodias. Delicadas e passionais, as canções amparam-se em arranjos quase todos atmosféricos, emotivos, com o uso equilibrado de pianos, violões, acordeão e percussão marcada. “Tempo de Pipa”, que abre o disco, é o exemplo mais acabado dessa sonoridade apascentada, serena que cumpre bem o papel de ser, sem arroubos, parceira, amiga das valorizadas letras das músicas. Sem arroubo também é a interpretação do artista. De voz comum, o cantor e compositor leva suas criações num tom menor, lembrando o Los Hermanos do disco Ventura (2003). Cícero arrisca soltar a quase sempre represada voz numa rápida passagem de “João e o Pé de Feijão” e em “Ponta Cego”, esta última próxima do choro sentido para cantar, contraditoriamente, a chegada da sexta-feira. Coisas de poetas sensíveis. E é a sensibilidade tão exposta em Canções de Apartamento que fazem do CD um trabalho meio fora do tom no cenário nacional, mas que, ao lado de outras revelações do gênero como Marcelo Jeneci, Tiê e Pélico (leia resenha aqui), mostra uma tendência dentro de uma nova e estimulante MPB. Deixe-se levar.

Cotação: 4

Ouça com atenção:

ou

sábado, 5 de novembro de 2011

Riso nostálgico

Selton Melo faz um filme onde a nostalgia dá o tom
Era mambembe daqueles de dar pena. Não havia lona, nem leão, nem sequer um mágico de araque que fosse. O espetáculo era emoldurado por lençóis, chitas coloridas que o vento mais forte empurrava de um lado para o outro desafiando aquela estrutura de frágil e temerosa trama. Velhas cadeiras mal ajambradas faziam as vezes das arquibancadas, ocupadas naquele dia franzino de verão por trinta pessoas contadas nas pontas dos dedos. Anônimo, o circo era a única opção de diversão naquele vilarejo praiano mal povoado de turistas. Acho que de turistas mesmo só eu e uma amiga que, embalada pelas férias, topava todo tipo de programa, de tomar picolés de suco ensacados em plásticos transparentes até enfrentar pesadas trilhas nas dunas escaldantes que mais parecia, para algum observador incauto, o pagamento de uma preciosa promessa. Naquele dia fomos ao circo. Dois momentos tornaram-se perenes em minha memória, o equilibrista Juvenal e os palhaços Pinguelim e Manguaça. O primeiro trabalhou contando com a torcida contra de uma criançada inquieta e barulhenta e o próprio peso, gordinho que estava. “Arriou, Juvenal”, gritava atrás de mim um capeta em forma de guri. Graças a deus, Juvenal não arriou. Pinguelim e Manguaça eram excepcionais, donos de um carisma, delicadeza e humor hoje raros de se ver debaixo de algum teto de circo, já tão poucos, do Brasil. Ri feito criança do alto, na época, de meus vinte e poucos anos, Puro Sangue e Pangaré me fez lembrar carinhosamente daqueles dois sujeitos daquelas feéricas férias.

Assista ao trailer de O Palhaço:




Paulo José e Selton Melo em química impecável: pura emoção
Puro Sangue e Pangaré são os personagens principais de O Palhaço(2011), segundo trabalho do também ator Selton Melo na direção de um longa-metragem (o primeiro é Feliz Natal, de 2008). Fui ver o filme envolto em curiosidade. Afinal, crítica e público tinham reverenciado este ano a obra no estreante Festival de Paulínea, centro de produção cinematográfica que está virando nossa Hollywood. Mas, também porque o tema me era caro. Sempre fui fascinado por circo, principalmente por aquela figura em tons exagerados que inspira gargalhadas e inspirou a fita de Melo. Nos dez primeiros minutos dentro da sala iluminada pelo projetor senti que muitos poderiam sair dali decepcionados. Quem estava esperando pelo humor escrachado ou o riso solto prometido pelo título singelo, tinha tudo para ficar inconformado. O que se via no transcorrer da história era um sorriso represado, tímido, produzido por uma narrativa que privilegia principalmente a reflexão e a sensibilidade. O argumento é simples, direto: Pangaré é o palhaço encarnado por Benjamim(Selton Melo) em crise existencial que resolve abandonar o Circo para encontrar uma personalidade que ele acredita estar perdida. Para isso, conta com a concordância do pai, que interpreta o outro palhaço da dupla, vivido com intensidade por um grande, enorme, Paulo José.

A trupe chega em uma nova cidade, dose felliniana de alegria
Com essa história doce e sem grandes arestas, O Palhaço torna-se a cada minuto passado uma agradável surpresa. É um pequeno grande filme insuflado de delicadeza. Selton Melo apostou num tom ingênuo de um país rural num momento em que éramos um pouco mais românticos mesmo, os anos 70 do século passado, período em que se desenrola esse quase conto de fadas. Assim como numa fita da Atlântida de Oscarito e Grande Otelo. Sem o histrionismo típico dos diretores daquele estúdio que pesavam a mão para ganhar a platéia e justificar elevados orçamentos. Melo não quer jogar tão escancaradamente para a galera. E essa é uma das grandes virtudes do longa-metragem. O cineasta, com a ajuda de sua econômica e precisa interpretação, evita o exagero, a farsa, o que seria uma tendência já que explora a vida circense. Há muito não via personagens tão humanos e sinceros habitando sem sobressaltos uma tela tingida, nos últimos anos, por uma desumanizadora espetacularização. O Circo de Pangaré e Puro Sangue está mais para o universo felliniano, que mistura com equilíbrio o real e o non-sense, do que para uma rasa trama global. E é assim, revelando o mundo interno de artistas mambembes, uma família pra lá de especial, que o diretor nos emociona.

Essa emoção tem a ver com o poder puro das imagens e da beleza de sentimentos que move os personagens. Assim como num filme mudo. E O Palhaço também é nostálgico nesse quesito. Não há verborragia. Quase não há virgulas, apostos nos curtos e poucos diálogos. Há muitos pontos, desenhados por um pincel invisível e que cala fundo no espectador. A relação silenciosa entre pai e filho palhaços, construída com vigor na esplêndida química entre Paulo José e Selton Melo, que tem a apoteose na despedida dos dois personagens, o ponto de virada do filme. A visão repentina em Pangaré do romance, exercício enevoado pela dedicação extrema ao ofício de fazer rir, que o deixa tartamudo, perplexo diante da moça bonita. Sensações extremas pontuadas por gestos e olhares. Tem a menina do Circo, que tudo observa com a fome do conhecimento. E há ainda o cheio de significados ventilador, objeto mudo de desejo do jovem palhaço. Tudo nos leva a contemplação mansa, à compreensão da vida sem novidades ou grandes emoções daqueles personagens. Nos leva à mergulhar na tristeza do palhaço angustiado de Melo, um homem sem identidade e sem comprovante de residência, que precisou fugir para entender que seu destino sempre esteve ali na sua cara.

Na caravana enfileirada por carros que mais parecem calhambeques, o Circo Esperança segue mambembe de cidade em cidade. O Circo de Selton Melo transporta artistas, artífices de ilusões que dispensam um vida luxuosa para dar ao carente espectador o luxo de uma arte caseira e redentora. O ator e diretor homenageia um tempo de delicadeza mostrando maturidade e uma invejável coragem e raro desprendimento, acertando com louvor o alvo pretendido. E de quebra, ainda resgata mestres do riso, em participações impagáveis, casos de Moacir Franco, maravilhoso e hilário como o delegado Justo, e Jorge Loredo (intérprete do clássico “Zé Bunitim”), no papel não menos engraçado de um canastrão chefe de escritório. O Palhaço é uma bela e envolvente lição de vida, um desses filmes que nos fazem sair do cinema com o coração cheio de ternura. E nesses tempos de palhaços que ocupam vagas no Congresso Nacional para virarem homens pretensamente sérios, de humor preconceituoso e chulo nos programas de televisão que tira da risada sua função mais sublime, rir de mansinho e com cumplicidade com uma história terna e bem contada é um verdadeiro presente. E aí, me dá vontade de ir para um circo mambembe qualquer, no interior profundo do Brasil, para rever algum Pinguelim e Manguaça em sua missão sagrada de fazer da gente um pouco mais criança.

Cotação: 4

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

De costas para o sistema

Quando me vi de repente tomado pela maré de notícias sobre as revoltas protagonizadas por uma jovem população européia parei, diante da minha antiquada TV de 21 polegadas, num estúpido átimo de aturdimento. Como se tudo o mais em minha volta também se visse suspenso. Talvez porque envolvido pelo silêncio das horas que satelizam aqueles jornais de televisão da madrugada feitos para insones e viciados em informações. Ou talvez por aquela típica leseira de quem começa a perder a batalha contra o sono. Foi assim um dia desses. Manifestações pipocando no velho mundo contra a crise econômica, a falta de emprego, a truculência de políticos arrogantes. Em todas elas havia uma boa parcela de irritados jovens, cheios de vigor e caras e bocas na defesa de suas bandeiras. Não como no Maio de 1968 em Paris, até porque parte daquele romantismo sucumbiu diante de uma certa lógica e frieza de como a maioria passou a encarar o mundo. Mas, eles estavam lá, belos, se posicionando, agrupados em massa, como um corpo vivo. E fiquei feliz, depois do espanto, por aquela demonstração de proatividade com o que os incomodava. O velho continente costuma dar lições mais fortes e impactantes de insatisfação, de como se colocar diante da perda da inocência corrompida pelo capital. Os europeus têm cultura, estofo, para isso. Pensando nisso, voltava a uma recorrente elocubração: viria de lá a revolução musical, aquele inesperado movimento a esquerda para sacudir os alicerces da estagnação musical que parece ter tomado conta da humanidade. Tem quem ache que o WU LYF seja isso. E aqui, após tantos desvãos, chegamos ao foco desta resenha.

Assista ao clip de “Dirt”:



Isso que parece um erro de grafia é uma sigla. Das mais canhestras e propositadamente cabulosa. World Unite Lucifer Youth Foundation, o WU LYF. Uma banda inglesa, da mesma Manchester das icônicas Stone Roses e The Smiths, que anda assombrando vários críticos pelo rompante radical de fazer música e por suas letras ácidas e com forte acento político. “Revolucionária”, arriscou um desses resenhistas puxando um coro, para mim, um tanto precipitado. Não sinto que seja tudo isso. O que o quarteto britânico faz é captar aquele sentimento de inconformismo que preenche os jovens, o mesmo que os fazem sair para a rua para reclamar os temas mais caros a um mundo em crise. Capturam o zeitgeist, aquele senso coletivo que se torna quase concreto e imanta toda uma sociedade. O crítico Alex Ross escreveu em seu livro Escuta Só, do Clássico ao Pop: “Em qualquer momento da história, existem alguns compositores e músicos criativos que parecem deter os segredos da época”. É por aí. O que se ouve em Go Tell Fire to the Mountain(2011), título do primeiro trabalho desse grupo, não é revolução, nem é exatamente novo. É uma música raivosa, incômoda, difícil de ser consumida. Há aqui um paredão sonoro composto de um vocalista gutural, Ellery Roberts, responsável também pelo órgão, instrumento barroco em diálogos estranhos com o baixo de Tom McClung, a guitarra de Evans Kati e a bateria tribal de Joseph Manning, sugerindo um som anárquico, algumas vezes claustrofóbico, mas quase sempre e provocador.

Em meio às vociferações de Roberts, gritos que se tornam uma das marcas registradas de Go Tell Fire to the Mountain, existe ecos do krautrock, do post rock e do post punk ou seja, tudo aquilo que de moderno e pouco traduzível tem o rock em suas mais radicais tentativas de renovação do gênero. Em panos limpos: muita barulheira e o uso de elementos antigos com uma roupagem contemporânea numa tentativa de se criar o novo. Em “Dirt”, que considero a melhor composição do disco, há um batuque introdutório, uma percussão com tintas africanas que reforça uma melodia nervosa, guerrilheira, como as imagens do clip oficial(acima) da banda que traduz muito bem o espírito da canção. Como uma granada explodindo próximo de nossa epiderme e de nossos agoniados tímpanos, essa música convoca o ouvinte para uma batalha, para uma franca resistência aquilo que entorpece a alma. E isso é, claramente, um fazer político. Saída da boca do vocalista do WU LYF, essa convocação tem compreensivelmente um vigor quase panfletário. Soa como o retrato de uma juventude desencantada que usa o rock e o verbo para se comunicar com o mundo. E a escolha por essa “poética”, por um repertório mais politizado é outra das características marcantes desse álbum sem apelo popular e que tem tudo para virar cult.

Esse veio político é centrado, nas letras, numa crítica mais genérica à humanidade, não a temas conjunturais específicos das terras britânicas ou qualquer outro continente do planeta terra. Como o ímpeto capitalista, e a força da grana, resgatando aqui Caetano Veloso, que constrói e destrói coisas belas. “Tem crianças nas ruas, vendo o concreto se transformar em ouro/Você é tão jovem, mas essas cidades o fazem envelhecer”, canta Roberts em "Summas Bliss". No início do disco, a banda já entregava a senha dessa crítica engajada ao sistema econômico que atropela tantos interesses comuns e fragiliza uma já castigada e pouco valorizada espiritualidade. “Quantos dos seus garotos temem a morte?”, questiona a banda em “LYF”. É o discurso hippie reformado, adaptado aos quentes dias de hoje. Os gritos de guerras repetem-se durante toda a barulhenta trajetória desse estranho, mas conseqüente álbum. A ponto mesmo de se tornarem diretos e impactantes. Papo reto. “Coloquem suas armas e cantem conosco essa canção”, sugere a letra da bacana “We Bros”. E para isso, complementa o quarteto na já citada “Dirt”, resumindo de vez essa batalha contra um declarado inimigo, “não importa o que eles dizem, o dollar não é seu amigo”. Enfim, um bando de jovens resolvem deixar de lado canções açucaradas sobre boys and girls apaixonados para botar pra fora essa revolta adquirida e alimentada em tantos anos de desconcerto e de falência de um sistema(olha ele aqui de novo) que esqueceu, em suas contas, de contabilizar o que há de mais humano em nós.

Ouça “Cave Song”:



Mas, claro, são apenas gritos de revolta que fazem um grande disco. Musicalmente, as composições são, numa comparação meio absurda, como aquelas engenhocas de transmissão de mensagens dos filmes da série Missão Impossível: parecem querer se autodestruir em poucos segundos. Soam quase toscas, mas têm poder em sua urgência. Mesmo quando tentam ser mais comportadas, como nas mais lentas “Such a Sad Puppy Dog” e “14 Crowns for me and your Friends”, na qual o órgão cria uma atmosfera glacial, perturbadora, pecam por uma ansiedade desenfreada. Essa música rende-se algumas vezes à anarquia, chegando a um paroxismo que lembra o combo Mano Negra, a exemplo de “Cave Song”. Dito tudo isso, você pode perguntar: “E aí, o disco é bom?”. É mesmo, lembrando de um ótimo jargão publicitário, toda essa Brastemp? Tive uma primeira impressão negativa do dito cujo. Não gosto de bandas que se escondem atrás de siglas maneiristas, de muito barulho e gritaria para impor uma idéia. A melhor idéia musical, sempre acreditei nisso, é ser claro nas intenções mesmo que ela esteja amparada numa contundente parede sonora. WU LYF é como um rascunho de uma arte que tenta se desenhar ideologicamente, que busca identidade própria. É um projeto em andamento, aquilo que os americanos chamam inteligentemente de work in progress. No que todo aquele barulho vai se tornar, só o futuro dirá. Mas, até lá vale ouvir os caras, até porque é sempre bom dar atenção a quem foge da obviedade. Afinal, é assim que caminha a humanidade.

Cotação: 4

Na base da brodagem, vá lá antes que o sistema destrua o link:

http://www.mediafire.com/?b5xxi7d2vn8qrkf

domingo, 16 de outubro de 2011

Armadilhas do amor

O quanto de nitroglicerina pode conter uma paixão? E o quanto de segredos não revelados, ocultos na profundeza das retinas? Muitas das histórias, das pequenas rusgas, de compleições e incompatibilidades que um relacionamento amoroso carrega e que, muitas vezes, descarregam em um buliçoso fim, cabem em uma canção. Pélico, um paulistano de peito aberto, experimentou contar casos de amor, romances, com um desprendimento à flor da pele. O resultado é Que Isso Fique entre Nós(2011), uma espécie de delicado diário de amores perdidos. Essa complexa trama que une duas pessoas é o objeto de dezesseis composições intimistas que deságuam em um álbum em que palavras diretas e sem rodeios são acompanhadas por arranjos que as vestem em trajes mínimos, desvelando por completo o coração do autor. Trespassado, fudido, rendido ao inevitável. Um coração à mostra. É um álbum sobre a dor de cotovelo, disse o cara em uma entrevista. Mais do que isso: é o retrato de um sentimento que, repleto de delícias e armadilhas, ajuda a mover uma humanidade inteira.

Veja vídeo de “Recado”:



Pélico é paulistano de dois discos. O primeiro, “O Último Dia de um Homem sem Juízo”, foi gravado em 2008. Mais rocker, mais gritado, mais irônico, revela quem o criou. Depois, confidencia o mesmo, resolveu escarafunchar as coisas ditas, escritas e cantadas por Lupicínio Rodrigues, Ataulfo Alves, Orlando Silva(terá sido deste os “erres” cúmplices e bem pronunciados pelo artista no álbum em questão?), mestres dos imbroglios do amor. Contaminou-se. E o vírus dos amores mal resolvidos, dos casos afogados em copos de cachaça, revelados com letras firmes por aqueles ilustres antepassados, foi inoculado nele. Resolveu inspirar-se em sua própria trajetória de vida e a de amigos próximos para enfileirar mágoas e lições de sucumbidos relacionamentos em Que isso Fique entre Nós. O título/expressão é a melhor tradução deste segundo trabalho de Pélico. Assim como aquilo pronunciado e encerrado em um caso de amor, transmitido com zelo para um único ouvido, com endereço certo, somente para quem interessar possa. Aquilo que o resto do mundo, por favor, não precisa saber.

Esses diálogos da paixão são destilados em canções que parecer soar lineares em todo o disco, assim como o amor, plural que é, provoca coincidências. Como capítulos de um mesmo caso amoroso alinhavado por uma humana pulsão. Pelo desejo de entender o que sepultou o relacionamento. Que redunda no medonho julgamento que busca culpas e afunda tanta gente naquele mergulho dolorido popularmente conhecido como “dor de cotovelo”. Daí a definição sugerida por Pélico. Como em “Sem Medida”, de linda melodia e arranjo delicadíssimo, sobre um homem que tenta esquecer a amada: “Quem me dera ter a coragem de te negar/Mas, não se mede sensatez com você”, sublinha o cantor de voz grave, de canto sem a mesma personalidade dos versos. Na tocante música que dá titulo ao CD, a visão exata do relacionamento depois do vendaval, num longo desfile de adjetivos que definia o casal: “Não éramos tão tolerantes assim, não éramos tão perigosos assim, não éramos tão fiéis assim”, e por aí vai. Em “Tenha Fé meu Bem”, o amor virou saudade dos dias em Mongaguá. “Lembra da gente sentado olhando o mar?”. Cena de cinema com trilha de Henry Mancini.

Escute “Não Corra, não Mate, não Morra”:



Todos esses romances comuns, cotidianos são expostos com letras diretas e encantadas. Essa coisa de abrir o peito e encantar não é pra qualquer um. E Pélico tem esse dom. Talvez também um fruto da simbiose ocorrida entre ele e os mestres da MPB que o impulsionou a ser assim tão intimista. Alimentado também é claro por seu talento nato. O paulistano sabe misturar letras, provocar o ouvinte. Nessa obra sobre o amor, brinca com os contraditórios como os versos da quase brega “Levarei”: “De todas as tristezas que tive na vida/Nenhuma me deu tanta alegria como essa”. Incorporando Lupicínio, solta o dramático e teatral que há nele, caprichando no português, na ótima “Recado”, uma das melhores do disco: “Da liberdade que sucumbe as leis/Nem anjos e santos de pura bondade pra te perdoar”. A palavra é bem tratada ainda na sensível “O Menino”, uma das poucos em que o amor não é verbo recorrente: “O menino fugiu, se perdeu nessas ruas que sabia de cor/ As palavras ardiam, soavam mais duras do que seu pai lhe ensinou”.

Mas não é só do cuidado com as letras e seus verbos que brilha Que Isso fique entre Nós. Existe toda uma bem tramada costura de instrumentos que soa, num primeiro momento, minimalista, mas que vai ganhando peso e sentimento a cada audição do disco. A arte do produtor Jesus Sanchez, integrante da bacana Los Piratas, e os arranjos de sopros e violinos, assinados pelo próprio Pélico e por Bruno Bonaventure, responsável também pelo piano e sintetizadores, ajudam a fazer a diferença. E ainda é preciso fazer justiça com João Erbetta e Regis Damasceno (guitarra), Tony Berchmans(Wurlitzer) e Richard Ribeiro(bateria), músicos mais constantes no trabalho. A inteligência dos arranjos fica evidente, por exemplo, na hora em que os sopros são usados na construção do clima das músicas, como em “Vamo Tentá” e “Sete Minutos de Solidão”, as duas com leve e adorável acento brega, ou ainda na mistura do som típico do western spaghetti com o tango da muito boa “Não Corra, não mate, não morra”, que encerra o álbum com chave de ouro. Pélico e suas confidências amorosas são uma grata surpresa, um disco para nenhum apaixonado, e não só eles, botar defeito.

Cotação: 4

Sinta o amor de Pélico:

http://www.mediafire.com/?o7cdidp7i6c2up7

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Pra nunca mais esquecer

A voz agoniada, angustiada negava a letra da música acompanhada por um arranjo que começa desolado até cair no refrão quase gutural, primitivo. “Eu estou tão feliz”, cantava aquele rapaz que parecia a beira do desespero uma canção bipolar que soou como um tapa em minha cara naquele início de década. Era 1991. Ainda tinha uma vitrola, um 3 em 1 (toca fita, rádio e toca disco num só e volumoso aparelho, alguém lembra?) guerreiro, que já tinha animado muitas tertúlias, aqueles festinhas de amigos marcadas de última hora e que sempre davam o que falar no dia seguinte. Naquele ano, um novo velho som mexeu com milhões de pessoas no mundo inteiro. O rock sem rebeldia, escravo da ditadura das emissoras, se rendia então ao pop. Aí, aquele cara de voz rasgada e doída tomou as rádios mudando essa história, abrindo as portas para uma tribo formada por bandas garageiras, despojadas, com uma pegada suja e pesada. Misto de punk, com hardcore, recheado de microfonia, guitarras no talo e letras diretas. Era o grunge de Kurt Cobain, do Nirvana, que lançava um disco que se tornou um capítulo rico e marcante da história do rock and roll. E isso no mesmo prolífico ano em que Pearl Jam e Soundgarden colocaria no mercado duas outras belas e capitais obras daquele movimento, respectivamente Ten(1991) e Badmotorfinger(1991). Mas, foi com Nevermind(1991), incensado álbum que completa 20 anos, que o Nirvana chegaria ao nirvana e o rock retomaria sua rebeldia.

Ouça "Lithium":



Eu confesso que não estava muito preparado para ouvir Nevermind ou a zanga de Cobain naquela época. Nunca fui um fã declarado do rock mais raivoso, ainda que umas deliciosas velharias gravadas nos anos 70 e que embalaram minha juventude, como Deep Purple, Led Zeppelin e Rush, continuassem merecendo toda minha atenção e carinho. Estava num momento de culto ao rock alternativo, feito por bandas que a maioria dos meus amigos e, claro, a mídia, insistiam em deixar injustamente no limbo. Era um som torto, trabalhado na contramão dos hits vigentes. Encontrava-me, no período, maravilhado com as possibilidades que o gênero musical propunha com grupos como Pixies(aliás, uma das maiores paixões do Nirvana), Talking Heads, Screaming Trees, Pogues, Guided by Voices, Sebadoh e outras formações honestas que também fizeram história e que de alguma forma ajudaram o grunge a ser o que foi no início dos 90 do século passado. A provocação, a sinceridade, o despojamento e as guitarras distorcidas daqueles antecessores estavam presentes numa fusão bruta no segundo disco do Nirvana, um fenômeno, que contava ainda, na linha de frente, com um cara de alma mergulhada num turbilhão de angústias, medo e contradições.

Assista Cássia Eller cantando “Smells like Teen Spirit”:



Cobain era a força motriz e translúcida do Nirvana. O cara bonito, elétrico, de profundos e inquietos olhos azuis, vestia-se de camisa quadriculada, aberta, com uma camiseta por baixo e um jeans sujinho, rasgado, estilo que se tornou o uniforme do grunge. Essa expressão, aliás, não se sabe se é um sinônimo para sujo ou uma corruptela da palavra garagem. Uma coisa e a outra, contudo, definiam bem o espírito dos meninos da banda. Imagino Cobain sempre com a mesma camisa quadriculada, acordando tarde e indo pra rua beber com os amigos sem o banho tomado. Penso nele ao lado do baixista Krist Novoselic e do baterista Dave Grohl incendiano uma garagem com seus acordes urgentes, plugados em uma música que eles regurgitavam e depois sorviam e regurgitavam novamente pelo mero prazer de estar no meio de toda aquela eletricidade sonora. Ou seja, os via como um bando de garotos cheios de energia e sem muito interesse de se tornar uma referência do rock. Um pouco com a filosofia punk de mandar tudo pro inferno, incluindo a mídia. Um muito com a vontade de dialogar com pessoas da mesma idade e fazer os ouvintes subirem pelas paredes, no ritmo da guitarra e dos berros.

Cobain é assim como um Renato Russo mal comportado. Com a diferença que sua poesia não tinha a mesma virilidade da escrita pelo colega brasileiro. Sabia falar com seus párias, utilizando-se de um verbo curto, pontuado, como se fosse palavras de ordem. E a galera, que não queria pensar muito e só bater cabeça, respondia: “Sim, isso acontece com a gente”. Acredito que a explosão de Nevermind, que entra fácil fácil na lista dos melhores dos anos 90 e também nas grandes obras do rock do século passado, tem a ver um pouco com isso. Em 1991 eu não era mais jovem, pelo menos na idade. Mas, fiquei encantado pelo disco e por um motivo que, acredito, ajudou a fazer daquele disco uma incontestável obra-prima: a entrega de Cobain. O que conta é a sinceridade do que o cara canta. Aquela angústia desbragada que senti em “Lithium”, a força dramática do hino “Smells Like Teen Spirit”, a cadência e o peso bem medido de “In Bloom”, com Cobain derramando seus versos bêbados, que fazem também a força de uma das minhas canções preferidas, “Come as You Are”, com seu impagável riff de cordas. Lembro de um amigo daqueles idos, mais novo que eu, que nem inglês falava, cantando desafinado, a plenos pulmões e com sentidas almas e concentração, “Drain You”, ou de outro colega imitando com mãos nervosas e baquetas invisíveis a bateria matadora de Grohl em “Territorial Pissings”. Lembro também de uma enlouquecida Cássia Eller no Rock in Rio, em 2001, cantando com garra e mostrando os peitos debaixo da camiseta surrada “Smells like...”, depois de dizer para a multidão que seu filho pequeno, de poucos anos de idade, adorava a música. Tudo isso me fazia pensar que Nevermind tinha um poder congênito, a magia daquilo que podemos chamar de clássico.

Nevermind é assim, de cabo a rabo, um disco repleto de hits, belezas e magias insuspeitas. Um cara de confusa psiquê que grita como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, que chora como que quisesse compartilhar sua dor com o resto da humanidade, com coragem suficiente para entregar tudo isso de bandeja para o ouvinte e que, depois de se tornar ídolo, se matou. Composições trabalhadas com extrema inteligência pelo produtor Butch Vig, o quarto homem da banda e peça importante nessa história toda, que domou a virulência incontida de Bleach(1989), primeiro e anterior fruto do Nirvana, equilibrando em doses democráticas raiva e suavidade. Canções com melodias fáceis, riffs grudentos, tocadas como se numa garagem. Vinte anos depois, o álbum mais tocante do Nirvana nasceu para ser disco de cabeceira. É atemporal em sua franqueza. Um trabalho que ainda vai fazer merecidamente a cabeça de muita gente que tem o rock no coração. Esse eco ainda será ouvido por longas décadas. Há quem ache que depois de Nevermind nenhum grupo lançou uma obra tão significante. Não sou tão radical, mas essa obra-prima tem argumentos suficientes para que se pense assim. Agora, com licença, vou ali colocar meus fones de ouvido e me deixar levar mais uma vez por esse discaço.

Cotação: 5

Comemore com o Nirvana:

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Verbo soberano

Desse eu de cara com Chico caminhando no calçadão do Leblon, e ele, por um motivo qualquer, me chamasse a atenção, devolveria ao seu azul e manso olhar o meu melhor sorriso, cheio de verbos nos entredentes (palavra que não há), costurando em silêncio, na respiração breve e suspensa, as entrelinhas do não dito. E seguiria feliz com o encontro assim mesmo, sem dizer nada, com medo talvez de dizer a palavra errada, ele que é tão cheio das mais certas delas. Penso sempre em Chico vagando na beira mar carioca e na minha memória, entre um e outro susto diante da poesia construída por ele, como imensos e sólidos castelos que visito de quando em vez no som provocado pela nostálgica agulha de diamante riscando a bolacha preta em seus volteios mágicos. E quando me deparo com o ídolo num novo disco, depois de toda aquela intimidade que criou em meu coração, fico com medo de que ele tenha errado a mão das palavras. Fico amuado sem querer ouvi-lo, ao mesmo tempo em que a vontade, maior do que a gente, leva-me em direção ao aparelhinho digital para dessa forma revisitá-lo e quem sabe conversar com ele, como antigamente, deslizando no mar de palavras e poesias.

Veja vídeo de “Sinhá” com Chico e João Bosco:



A gente que viveu uma vida mais demorada e tem algum tempo e histórias para contá-la fica assim meio perdido diante de quem é autor de parte da trilha sonora que embalou tantas horas vividas. E aí, estamos num outro momento, mais maduros, provavelmente menos românticos, com os antigos sentimentos dilapidados pela rudeza da humanidade, pelas torres gêmeas implodidas, pelos amores naufragados, pelos tsunamis devastadores, mas, mesmo com toda Brahma e toda lama, ainda vivos e esperançosos. Já passado o pesar da ditadura, os suspiros das alcovas, o drama de Genis, a intempestividade de Anas e Bárbaras, consumado o tempo da gente, Chico Buarque retorna com Chico(2011). Não sendo os mesmo admiradores e apaixonados de antes, não tendo a mesma condescendência, teríamos a mesma reação diante da nova obra? Se já perdemos a noção da hora, será que aqueles belos seios ainda estão em nossas mãos? Difícil responder. Difícil comentar o trabalho de quem parece ter se doado tanto a um universo musical sem comparações e que está tatuado em nossa alma, como aqueles barrocos dragões coloridos que envolvem os braços e seguem por toda a gravada epiderme como um manto a nos proteger. Chico é grande. Seu repertório tão grande quanto ele. Por isso, o cara não me surpreende mais e também não exijo mais, justiça seja feita, do que ele me deu.

Tudo parece, assim, déjavù nesse novo Chico. Tudo parece Chico, o bom e velho Chico. Tudo parece datado, deitado na cama das velhas notas musicais cansadas, mas bem acomodadas, bem casadas, como num bom e velho Chico, senhor soberano de rimas e poéticas completamente assentadas, como equações ricamente elaboradas e cheias de si. E leia isso, por favor, como um elogio. O que se vê em seu mais recente álbum não é um artista renovado, mais um cantor e compositor que se renomeia, que brinca com um novo vocabulário tirado de páginas da internet e do cotidiano corriqueiro dos jovens, e também que se vê no espelho, apaixonado, fazendo declarações de amor ao cotidiano. Em “Tipo Baião”, faz troça com a linguagem dos mais moços, repetindo a expressão “tipo” para cantar um romance “tipo festa sem fim” prometido por uma jovem cheia de vida e amor pra dar, numa canção vestida como um baião moderno. Na belíssima valsa “Nina”. A moça da vez namora o homem da poesia pela internet, explicando que ele pode ver, em um mapa na tela, “a cidade, o bairro, a chaminé da casa dela”. Toque novo numa poesia que nunca perde o lastro de desmedido encantamento como em seu fecho espetacular: “Nina anseia por me conhecer em breve, me levar pra noite de Moscou. Sempre que essa valsa toca, fecho os olhos, bebo alguma vodka e vou”.

Escute a valsa “Nina”:



O Chico que não mede as palavras passeia pelas ruas do Rio, como eu sempre o vejo. E eu o vejo assim passeando e observando o mundo e as pessoas para fazer registros em seu “Querido Diário”. Nessa música, que inicia o disco, Chico Buarque, como fez em suas últimas obras, destila sua apurada poesia num exercício musical e estético que prescinde até de refrão. A música, cuja melodia parece que já ouvi em algum outro momento de Chico, e isso nem importa muito, traz frases enigmáticas como a do cão recolhido na rua e que de “hora em hora me arranca um pedaço” ou impactantes como na passagem em que ele, falando em religião, pensa em “amar uma mulher sem orifício”. Esse artista que faz as palavras crescerem faz crescer também a memória, exibindo filmes passados entranhados nas novas composições. O Chico jazzístico da lúdica “Essa Pequena” já mostrava os mesmos dentes em “A História de Lily Braun”, música de O Grande Circo Místico(1983). O sambinha “Barafunda”, por sua vez, reprisa em um certo momento o amor de Chico pela escola de samba Mangueira, numa levada que lembra, sem tanta inspiração, a verde e rosa “Chão de Esmeralda”, do disco As Cidades(1988).

Esse Chico, com certeza, não vai ser mais um grande disco de Chico de minha vida, ainda que num ou noutro momento, como nas vigorosas “Se eu Soubesse”, em dueto com a namorada Thais Gulin(ainda é ou estou desatualizado?), e “Sinhá”, bela parceria com João Bosco, incite minha paixão. Não vai embalar memórias, como aquelas de outros tempos, que ainda se arrastam solenes diante de mim sempre que meu coração pede arrego. Mas, é um Chico autêntico em toda sua carga poética, com o DNA, a identidade de quem faz música como quem risca mapas de orientação. Ele sabe dos caminhos e, mesmo que não tão iluminados, vale sempre enveredar por eles. Todos nós devemos esse passeio por suas sendas. Sempre vai existir algo a aprender.

Cotação: 3

Não fique vendo a banda passar, linke-se:

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P.S.: Texto dedicado ao meu sobrinho Marcelo, que sempre gostou de música boa

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mergulho no rock direto

Aquela incerta agressividade e o cheiro permanente de cachaça no ar, provocando conversas ao pé do ouvido, o constrangimento e seu efeito silenciador corroendo a amizade de tantos anos, como aquele cilindro na ponta do cano da arma, aquele tiro contra o próprio peito. Toda a violência arde, mas antes que tarde é bom que se diga nesse caso, para que não se faça julgamento precipitado: nem toda a violência é planejada. O tiro contra o próprio peito acionado pelo involuntário, palavra bala saída da boca ácida de Craig Nicholls tinha a ver com Asperger. A síndrome. A Síndrome de Asperger que quase pregou o cara na cruz. Suas brigas e explosões, os tabefes no assustado fotógrafo, imagem que caiu nas graças da imprensa, os vitupérios e a dificuldade de se comunicar, a obsessão por um assunto determinado, mas também pela música, o encanto desmedido pela música, tudo tinha a ver com Asperger e com Craig Nicholls. O vocalista do The Vines era homem de inesperados extremos, do radical vigor do álbum Highly Evolved(2002), que deixou meio mundo de calças arriadas, ao rock aberto, que deixou meio mundo decepcionado, no atual Future Primitive(2011). Tudo isso é o cara. E tudo isso vale o seu tempo.

Veja o clipe oficial de “Gimme Love”:



No tempo em que Highly Evolved foi lançado, Strokes e Hives eram duas das bandas que polarizavam a atenção de milhares de jovens nos quatro cantos da Terra. Momento rico do rock, quando guitarras distorcidas e no talo pegaram a molecada de assalto. O disco dos australianos comandados por Nicholls era cru, garageiro, endiabrado como aquele gênero musical deve ser. De 2002 para cá, The Vines foi perdendo o vigor, tropeçando em trabalhos menos inspirados e de insuspeitada leveza, como o bacana Winning Days (2004), e o apascentado e não tão bom assim Vision Valley(2006). E trombando também na maldita Síndrome de Asperger, que, mesmo sem impedir o vocalista da banda de encarar o mundo, o deixava algumas vezes desarmado diante da moral vigente. Até porque o mundo é realmente cruel com quem desenvolve comportamentos inconstantes. Com esse quinto trabalho, o anterior é o risível Melodia(2008), os australianos dão um passo a frente e revelam uma maturidade e serenidade que nenhuma síndrome pode abafar.

Future Primitive foi achicalhado por boa parte da crítica institucionalizada. É, o mundo continua cruel com quem desenvolve comportamentos inconstantes. Nicholls(o segundo da direita pra esquerda), muito mais calminho que antigamente, pelo menos até a próxima explosão, deixa claro, contudo, que esses jornalistas e blogueiros patinam em um velho e injusto ranço. The Vines voltou diferente, menos elétrico e vigoroso, é verdade, mas fazendo um rock and roll tão limpo e direto que bem merecia um olhar mais cuidadoso e menos patético desses críticos de plantão. Sem se arvorar em fazer o inédito, o grupo, com a voz de Nicholls mais afinada que nunca, busca nos anos 60 a inspiração para um álbum com boas melodias e uma energia que se renova a cada audição. Não buscam de forma alguma impactar ou engendrar um novo Highly Evolved. E é no explícito prazer dos caras de exercitar o rock puro e básico, de fazer o simples que se revelam as delícias do mais recente álbum dos australianos.

Ouça a pedreira “Weird Animals”:



Essa simplicidade está escrita nas entrelinhas da grande maioria das 13 músicas que compõem um álbum ligeiro, curto, espertíssimo. A eletrizante “Gimme Love” abre o disco botando os sentidos para chacoalhar. Bublegum com cheiro de naftalina, traz os acordes dos anos 60, da efusividade que fizeram a fama de bandas como Beach Boys, The Monkeys e The Kinks. Essa mesma musicalidade, com ecos concretos do típico psicodelismo da época, se faz presente em “Candy Flippin’ Girl, com a batida marcada da bateria, o sintetizador manso e a guitarra ditando o ritmo. Essa moldura sessentista continua impressa na convincente "Cry", com seu pandeirinho e barulhinhos eletrônicos hippie-chiques, e no folk datado da linda balada “Goodbye”. E há quem veja ainda os Beatles dos anos 60, uma das influências mais marcantes do The Vines, em “All that you Do”. Enxergo melhor essa bendita herança, ainda que só pincelada, em “A.S.4”, lenta e graciosa melodia que bem poderia fazer parte do repertório do Oasis, quando este extinto grupo tentava imitar com medida competência os ídolos Paul e Lennon.

Afastando-se um pouco dos 60, os caras do The Vines - além do emblemático Nicholls(voz, guitarra), Ryan Griffiths(guitarra), Hamish Rosser (bateria) e Brad Heald(baixo) - encaram algumas viagens por sonoridades mais próximas da geração deles. E isso em algumas das melhores músicas desse injustiçado CD. “Weird Animals”, com sua pegada punk, é suja e feroz. A guitarra distorcida e melodia ganchuda levam o ouvinte à lona. Música tão legal quanto “STW”, que tem um quê de Nirvana, outra das explícitas influências do grupo, e quem sabe um elo com o futuro, uma linha a ser seguida no próximo trabalho do Vines. Os acertos ajudam a relevar a única grande bobagem do disco, a instrumental e paranóica “Outro”, um deslize aliás até compreensível e perdoável para quem vive a sombra da Sindrome de Asperger, né mesmo? Deixando a ironia pra lá, e desafinando o coro dos descontentes, recomendo, sem restrições, Future Primitive, esse regular e despretensioso Vines em sua honesta busca do mero prazer de cantar e nos fazer feliz.

Cotação: 4

Quer experimentar? Vá em:

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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Álbum iluminado

Gui Amabis é um operário dos bastidores. O músico talentoso e requisitado tem um trabalho que muitos já ouviram por tabela, mas raramente buscaram saber quem é. Pudera. Esse paulista é autor de trilhas sonoras para o cinema, arte normalmente subestimada pela maioria. É dele, entre outros, as malhas instrumentais que embalam as ações do norte-americano O Senhor das Armas, filme mediano de Andrew Niccol, e a apimentada carreira de Bruna Surfistinha, dirigido por Marcus Baldini, em versão de cores fortes e grande apelo popular. Amabis é um bom construtor de climas, aqueles que entram capilarmente pelos nossos ouvidos e contribuem para o sentimento completo das imagens. Esse exercício transpira por todos os poros do primeiro trabalho assinado pelo artista, o impactante Memórias Luso/Africanas(2011), um álbum que busca unidade no passado do autor e encontra potentes ecos no presente com sua estrutura moderna e marcante identidade.

A bela “Doce Demora”, com a não menos bela Céu no vocal:




Memórias Luso/Africanas
inspirou-se, segundo o próprio Gui Amabis, nas histórias de seus antepassados contadas por uma querida e inestimável avó, que o deixou há poucos anos. Retrospecto da trajetória de negros e portugueses, testemunhal intenso da miscigenação que gerou a vívida e complexa raça brasileira. Essa genealogia da qual Amabis faz parte transparece nas atmosferas e raízes de um álbum difícil de qualificar musicalmente. A alma negra, a febre imantada no medo de homens e mulheres que vieram da África em navios sinistros para moldar nosso jeito de ser, a relação com os lusos brutos e desgarrados da Europa, as tensões sociais do Brasil colonial transpiram em parte das composições do CD. Esse longo filme que conhecemos tão pouco é exibido em cenas musicais de arranjos exuberantes que beliscam múltiplas influências culturais, do batuque ao jazz, passando pela música árabe. O resultado é uma obra maiúscula, rica e de encantadora entrega.

O cuidado com a programação dos arranjos salta logo na primeira música do CD, a soturna “Dois Inimigos”, a única em que Amabis solta a voz pequena, com um teclado pesado, marcial e toques climáticos de sinos para contar uma luta que remonta a um Brasil ancestral, a uma “batalha que continua franca e aberta e trava na goela”. Trilha perfeita para cenas de navios negreiros. A memória de uma África colonizada que herdou seus filhos ao nosso país volta pulsante e imagética em “Imigrantes” em seu arranjo de sopros atmosféricos numa história de desilusão e dor e despedida. “Vou me embora daqui, por que aqui já não tem mais flores não/É irmão contra irmão, é o espinho da intenção”, canta com alma Tiganá, arrendondado pela participação da bela Céu, esposa de Amabis. E esse cinema de sangue negro está mais evidente ainda em “Para Mulatu”, com forte percussão, batuque explícito que serve de cama para um “causo” dos tempos de colônia brasileira, em que “mama fugiu do sinhô e a correnteza levou mama pros braços de avô”. Essa linda composição conta com um impressionante e equilibrado vocal do grande Criolo, que debutou recentemente em CD solo com o ótimo Nó na Orelha(2011).

Ouça a potente “O Deus que devasta mas também Cura”, com Lucas Santtana:



As memórias e heranças lusas, presentes nas letras das canções citadas acima comparecem sonoramente em menor grau no disco. Essa presença é mais sentida em “Orquídea Ruiva”, com letra e voz de Criolo. “É praticamente um rock árabe. A música portuguesa tem essa origem por conta da invasão moura que durou aproximadamente 800 anos”, explicou Amabis ao falar da música. As cordas sinuosas e flautas crescem aos poucos para desembocar num refrão forte e que lembra a pulsação do visceral Nação Zumbi. A música ajuda a dar essa liga, uma unidade que torna o CD quase temático em torno desse rastro luso-africano. Disse “quase”, porque Amabis sai dessa linha em algumas outras ótimas composições. Caso da linda “Doce Demora”, uma homenagem a filha do músico, canção que mergulha em plástica delicadeza, com as participações de Céu, mais uma vez no vocal, ao lado dos pernambucanos Siba e Dengue, baixista do Nação. Sem dúvida, uma das mais belas do disco.

Céu, na foto ao lado com o maridão, volta uma terceira vez para brilhar com sua voz roufenha na fabulosa e jazzística “Swell”, talvez a mais contemporânea e moderna do álbum. Tem a cara da cantora e de uma leva de artistas que soube muito bem explorar e misturar inteligentemente as sonoridades mais refinadas do planeta para construir um relicário de canções de difícil audição, mas de claro bom gosto. Parte dessa trupe está no disco de Amabis. Juntos, sob a coordenação desse compositor, engendraram o projeto do grupo Sonantes, com um álbum homônimo lançado lá fora e que ganha versão nacional este ano e que tive o prazer de resenhar aqui. O trabalho, de 2008, comungava a grande fase do irmão Rico Amabis, Céu, Pupilo e Dengue. Além desses e os outros já listados anteriormente, Memórias Luso/Africanas agregou outras feras que seguem essa trilha moderna e mais ousada, como a revelação Tulipa Ruiz, que brilha na leve “Ao Mar”, Regis Damasceno (do ótimo Cidadão Instigado) e Lucas Santtana, criador dos cortantes versos da poderosa “O Deus que Devasta mas também Cura”, a mais linda e emblemática música desse CD que já nasce clássico. Para ouvir e reouvir e destrichar aos poucos, como merece a obra, as tessituras e belezas propostas por um Amabis pra lá de inspirado. Vá com força.

P.S.: Fotos dos artistas que ilustram esta resenha foram feitas por Ariel Martini (www.flickr.com/photos/arielmartini/ ou www.arielmartini.com) em show de 9 de agosto de 2011 no Sesc Pompéia(SP).

Cotação: 5

Memórias ao seu alcance:

http://www.4shared.com/file/f-cbpk8A/DNA_Gui_Amabis__2011_-_Memrias.html

ou:

http://www.mediafire.com/?4nyrgbd1gbhbk7g