quarta-feira, 3 de março de 2010

Na calma das horas

Tem hora que a gente se sente assim com uma volumosa preguiça, uma vontade irregovável de se afundar em uma poltrona, a ela querendo se incorporar, como parte inseparável de sua malha de tecido. Assim mesmo, quieto, mudo, sem querer mexer uma palha. Como se algo, contra a nossa vontade, nos fizesse viver em câmera lenta, feito reprise de um gol, deixando que tudo o mais viesse solenemente se unir aquele inquebrantável reino de zenitude. O último do Beach House, Teen Dream(Subpop, 2010) me deixou desse jeito sem vergonha, meio aluado, confiscado pela serenidade de um som de baixa rotação, low fi clássico, amparado por melodias bem construídas e bom instrumental.

De Baltimore, nos EUA, a dupla formada por Alex Scally(guitarra) e Victoria Legrand(vocal e teclado) vive seus dias de glória e bajulação no universo paralelo onde mora a volúvel e radical tribo dos indies. O terceiro disco, lançado em janeiro, caiu de cheio também no gosto da crítica especializada, que dispensou quilométricos elogios ao dream pop do casal. E Teen Dream é sem dúvida o melhor e mais bem cuidado álbum do duo. É uma evolução natural, concreta e, claro, muito bem vinda, dos trabalhos anteriores, Beach House(2006) e o lindo Devotion, um dos discos marcantes de 2008 e que se tornou a chave mágica que abriu um mundo de possibilidades e conquistas para aqueles dois norte-americanos.

Apadrinhados pelo selo Subpop, cujos executivos costumam fazer sensíveis escolhas, e maquinados pela produção inteligente de Chris Coady, o Beach House aninhou-se em uma igreja para gravar seu som em um território perdido entre o onírico e o ensolarado. Alex e Victoria produziram dessa vez um som mais encorpado, sem perder o encanto e a ternura praticados com devoção nos trabalhos anteriores. Os fãs não hão de reclamar. Afinal, estão lá no mesmo lugar, ainda que mais comedidos, o teclado monolítico, meio oitentista da vocalista da dupla, presente com tanta intensidade em pequenas pérolas como “Walk in the Park”, decididamente uma das mais legais do álbum, e a cool “Lover of Mine”, e a guitarra lúbrica da cara metade, provocativa na correta “Silver Soul” e slide na medida certa na mediana “Norway”.

O que faz de Teen Dream bacana é a leveza carregada de seriedade que os dois impõem ao seu indie melódico. São melodias com letras românticas e imantadas de um poder quase mântrico. E aqui não se leia pesar ou angústia ou estupefaciência. Talvez torpor, mas um efeito prazeroso provocado pelas boas canções. É possível visualizar um padrão nesse trabalho que leva a essa sensação. A percussão e teclados são bases enxutas, muitas vezes repetitivas e lineares, para a guitarra mais intransigente de Alex Scally e a voz equilibrada de Victoria Legrand, trabalhada entre momentos explícitos de suavidade e outros de certo desespero. Tudo devidamente equacionado por arranjos que incorporam instrumentos e pesos antes estranhos ao trabalho do duo.

É dessa forma que o ouvinte é pego pela cabeça na terna “Used to Be”, na qual a melodia marcante é acompanhada de início por um pianinho confortável que volta num breque esperto depois de um refrão onde o crescendo do instrumental hipnotiza. Ou ainda em “Better Times”, que explora mudanças delicadas de andamento com uma guitarra que se mostra sensual, na maior parte da música, e viril, em raro instante. Em todas, contudo, prevalece uma ternura, aquela suavidade, muito bem traduzida na boa “Take Care”, que fecha bem o álbum, mantendo toda a aura low fi. Um clima que me fez ficar assim no remanso de minha poltrona deixando se levar, como tábua na maré, pela suavidade da proposta musical do Beach House. Um disco para ouvir na calma das horas.

Cotação: 4

No clima da Casa de Praia:

http://www.4shared.com/file/161699603/9843558e/TDBH-musicandcigarette-rafael7.html

Escute “Better Times”:



E também “Love of Mine”:



Veja o vídeo de “Norway”: