terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nada elementar, meu caro

Sherlock Holmes é uma figurinha fácil do cinema. Dessas repetidas. Para garantir interesse das platéias pelo esquemático personagem, é necessário tentar um bom diferencial, ter uma boa carta na manga. O britânico Guy Ritchie, mais conhecido como o ex-marido de Madonna, autor da nova versão em cartaz nos cinemas, Sherlock Holmes(2009), tinha uma proposta mais radical e pelo menos dois bons trunfos: os atores Robert Downey Jr., redivivo depois do sucesso de O Homem de Ferro(2008), e o sex simbol Jude Law nos papéis principais do longa-metragem. Bem amparado pelo elenco, o cineasta pode ficar livre para exercitar seus maneirismos, com alguns dispensáveis excessos, e dar corda a grandiosidade e tom espetaculoso que a história contada exigia.

O filme de Ritchie se passa na Inglaterra vitoriana, em fins do século XIX, ambientada numa Londres cinza e em pleno desenvolvimento industrial. Essa cidade é uma das personagens da história que encontra Sherlock Holmes(Downey Jr.) e o fiel escudeiro Watson(Jude Law) devidamente entrosados. As quase duas horas da fita se concentra em um dos casos do detetive criado pelo escocês Sir Arthur Conan Doyle, no qual se misturam suspense e boas doses de magia negra. Os dois investigadores se esfalfam para desvendar o mistério que se esconde por trás da assustadora ressurreição de lorde Blackwood (um caricatural Mark Strong), líder de uma seita secreta, que pretende dominar o mundo depois de subjugar o país britânico.

O que é notável e digno de aplauso no longa-metragem do diretor britânico é a forma como ele nos apresenta um alucinado Sherlock. Não espere encontrar aquele detetive almofadinha e asséptico presente em obras como O Cão dos Baskervilles(1959), com Peter Cushing no papel principal, e o mais recente e risível Sherlock Holmes e o Caso das Meias de Seda(2004). O personagem em sua última aparição cinematográfica não poderia ser mais trash. Autoritário e compulsivo, o investigador, interpretado por um afiado Downey Jr., passa semanas enfurnado em um quarto de hotel barato testando teorias e fazendo experiências com moscas e componentes químicos. A aparência de Holmes é, durante todo o filme, invariavelmente suja, assim como a intolerância e um certo ar blasé são igualmente elementos fortes na caracterização do protagonista. O ator por trás da máscara empresta uma angústia e ansiedade inesperada ao tipo vivido por ele, o que só aumenta o desconforto daqueles que preferem o tradicional e frio jeitão britânico que marcou a clássica figura da literatura policial.

Watson é a antítese de Holmes. Jude Law se investe das virtudes e lugares comuns do quase submisso parceiro do investigador. Guy Ritchie chega a brincar com o espectador na primeira terça parte do filme, sugerindo um relacionamento homossexual entre os dois. As primeiras discussões dos dois parecem briga de amantes. A resistência de Sherlock ao namoro entre Holmes e Mary (Kelly Reilly) seria ciúmes ou apenas uma forma de se afastar de uma orgânica solidão, mantendo o amigo mais próximo? A brincadeira se desfaz quando entra em cena, para dar um tempero a mais na elétrica história, a engraçada e atlética Irene Adler, uma trapaceira vivida com correção por Raquel MacAdams. Law, um bom ator, vive seu personagem com brilho e acerto, num contraponto talentoso à efusividade cobrada pelo Sherlock imaginado por Ritchie e inspirado na HQ de Lionel Wigram.

O que aproxima os dois personagens, na verdade, além do amor pelo mistério, é mesmo a adrenalina. Sherlock Holmes é um filme de ação. Muita ação. O elemento investigação não é o forte dessa obra de Ritchie(o cara da foto). O famoso raciocínio lógico e dedução engenhosa, marca maior da criação imortal de Doyle, só aparece aqui mais delineado em momentos de puro exibicionismo do detetive, como quando ele descreve cruelmente, cara a cara, a personalidade da Mary de Watson. Ou de forma muito célere no final, quando explica os pontos mais acabrunhantes do caso que desvendou com sua genialidade. Essa opção pela correria vista no longa-metragem é uma maneira de ir pra galera. De alimentar o público com a carga de eletricidade que os estúdios hollywoodianos imprimem, como aditivo indispensável, em seus filmes. É a dinâmica de um mundo acelerado cada vez mais pelos meios eletrônicos como a televisão e a internet.

E ação, com estilo, é um dos maneirismos de Guy Ritchie. Nessas horas, o cineasta se sai muito bem e coloca o filme no nível de excelência de outros produtos bem acabados de Hollywood. Os traços estilosos das tomadas das lutas e tiroteios vistos em seus trabalhos anteriores, como os bacanas Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes(1998) e Snatch (2000) repetem-se aqui, com o auxílio, é claro, de efeitos mais impactantes. A cena da luta de Box de Holmes com um brutamontes num ringue fétido de Londres, com nauseantes câmeras lentas, é exemplar. As brigas se sucedem com constância no filme, o que, na verdade, cansa um pouco e abre espaço para alguns excessos visuais aos quais Ritchie está acostumado. É tudo muito espetacular na Londres movimentada e em franco crescimento representada com preciosismo no filme. Por isso, é bom ver com a fita com desprendimento e pronto para muita ação.

Vale assistir a fita menos pela história em si (o roteiro se perde em meio à suntuosidade das imagens e cenas de ação) e mais pela tentativa bem sucedida de Ritchie de surpreender o espectador com um detetive mais mundano, diferente daquele apresentado anteriormente, um tipo extremamente humano na fronteira que divide a genialidade da loucura. Pela precisão da interpretação de Downey Jr. e a ótima química com Law, reforçada pelos diálogos ácidos e inteligentes dos dois personagens. Pelas estudadas cenas de luta e por uma grande direção de arte(forte candidata ao Oscar desse ano), com uma Londres extravagante e figurinos marcantes. Ainda prefiro o Ritchie de início de carreira, nos dois filmes citados acima, mas, esse Holmes é diversão garantida, uma boa pedida para domingos modorrentos.

Cotação: 3

Assista ao trailer do filme: