sábado, 30 de janeiro de 2010

Homens da floresta

Todas as vezes que ponho para escutar o som, me vem à cabeça imagens de uma era profunda, barroca, não feita de monstros e seres mágicos, mas de homens e mulheres brutalizados, corroídos pela ignorância e falta de perspectivas. Assim como num filme repetido em pleno século 21, nessa brincadeira sem graça de Deus, nos grotões de nosso sertão mais enraizado na penúria e castigado pela inclemência da natureza. Corações medievais submissos a poderes espirituais, que cria lendas, e aos mistérios de um mundo casto da tecnologia e da ciência que tudo clareia. O som de que falo é de uma banda cada vez mais ensimesmada em sua busca por um som radical, que desafia modismos e se aventura em sonoridades datadas. Bem vindo ao passado traduzido no folk impiedoso dos norte-americanos do Midlake e seu The Courage of Others (Bella Union Records, 2010).

Lembro bem de quando ouvi The Trials of Van Occupanther, o trabalho de 2006 do Midlake, forjado por seus cinco integrantes Tim Smith (vocal, teclado e guitarra), Paul Alexander (baixo e teclado), Eric Nichelson(teclado e guitarra), Eric Pulido (guitarra e backing vocal) e Mckenzie Smith(bateria). Toda aquela trama delicada tecida em cima de canções doces e inspiradas chamou minha atenção e a de muitos outros fãs de uma música mais orgânica, que valoriza principalmente a melodia. Herdeiros de Van Morrison, Nick Drake, Tim Buckley e afins, esses new hippies deram um passo a frente do mediano Bamnan and Silvercork(2004). A estréia abusou de um teclado modernoso que prejudicava a sinuosidade das composições. O trabalho seguinte, mais sereno, trouxe lindas músicas e o equilíbrio de arranjos que ao contrário do anterior faziam com que o alicerce melódico se revelasse em sua plenitude.

The Courage of Others é uma guinada na curta carreira da banda. Não se pode dizer que é um avanço. É uma mudança centrada na construção de uma música refinada, atmosférica, mergulhada intensamente numa sonoridade que remete aos tempos medievos. Algo que podia ser antevisto, de leve, no álbum anterior em músicas como a vigorosa “In this Camp”. Assim, flautas, o aumento da presença do coro, os violões dedilhados, o baixo e bateria coesos e comportados, e, acima de tudo, as melodias injetadas com boas doses de um sentimento chamado melancolia, passam aquela impressão. Um disco invernal, no qual as melodias convidam o bucolismo e a espirituosidade para uma contradança. E o ouvinte torna-se invariavelmente, pelo menos no meu caso, um parceiro dedicado nessa coreografia.

"The Acts of Man", primeira música do álbum, dá a senha do que vem a seguir. O folk com sotaque barroco, clássico até a medula, faz lembrar trovadores medievais. “Se tudo o que cresce começa a se desmanchar, começa a enfraquecer, deixe-me entrar, deixe-me entrar”, canta o afinado vocalista Tim Smith, prenunciando a ode à melancolia. Tudo soa meio diáfano, como um fundo musical para o encontro de centauros e fadas no noturno da floresta. Repare no solo de flauta e tente não se reportar aquela longínqua era. Nem o contraponto da guitarra levemente distorcida com o violão acústico na linda "Winter Days" consegue afastar a sensação de que estamos diante de um som com linhas melódicas fincadas no passado. Cheira a terra, dragões e espadas, como na gótica "In the Ground", talvez a mais emblematicamente hard folk de todas.

A opção dos caras do Midlake pelo folk classudo perpassa encantatoriamente todo este The Courage of Others. É um trabalho coeso, quase conceitual, com suas canções lentas e belas que parecem ter saído de um baú com especiarias de aspecto idêntico mas com sabores próprios e diferenciados. É preciso ouvir o disco com paciência, sentir a sua tessitura, a leveza dos arranjos e o instrumental competente para descobrir a riqueza escondida nas finas melodias. Não desista fácil. Tente concentrar-se na seqüência sublime de "Bring Down", a mais tocante do CD, "The Horn" e "The Courage of Others". Ouça pelo menos três vezes com um fone de ouvido. Feche os olhos e viaje na beleza dessa música passional e inspirada como o inverno sereno que nos faz meditar casmurros. Um grande disco no início de um ano que, musicalmente, parece promissor. Que os deuses corroborem esse sentimento.

Cotação: 5

Vá de folk:

http://uploaded.to/file/snk6k9

Escute "Winter Days":










Para ouvir Bamnan and Silvercork:

http://www.mediafire.com/?mzdndm2ejt4








Para ouvir The Trials of Van Occupanther:

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Ouça “The Courage of Others” em vídeo independente que usou trecho de um filme japonês sobre samurais:

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Poesia muda

Ontem chorei copiosamente no cinema. Não tenho travos para isso. Acredito que é porque deságuo lá no escuro, escondido dos olhares alheios, aquilo que não tenho coragem de desaguar diante de um olhar prescrutador, ainda que amigo. Assumo minha dificuldade estranguladora para o choro, uma inapetência que me persegue e me domina. É um fato e contra ele não consigo lutar, apesar dos poucos e destrambelhados esforços. A sala de cinema me dá essa possibilidade, uma via transversa, generosa, que abre em mim as comportas das lágrimas. E não precisa ser nenhum grande filme sedado de emoção, basta que tenha uma chave que destranque alguma emoção perdida, que encontre algum vão na minha alma e lá se acomode. Foi assim na noite da terça-feira assistindo Sempre ao seu Lado (Hachiko: A Dog's Story, 2009, EUA).

Esse filme leva a assinatura de um sueco, Lasse Hallström, de quem já havia visto Minha Vida de Cachorro, que garantiu sua passagem para Hollywood, e Chocolate, um longa-metragem com algumas boas idéias e uma má realização. O primeiro marcou minha memória pela extrema poesia e delicadeza com que o diretor conta a história de um menino que vai morar com os tios em uma pequena cidade do interior depois que a mãe morre. Em Sempre ao seu Lado, Hallström acerta novamente a mão e se utiliza de uma história real para trabalhar sentimentos comuns com uma sutileza e, principalmente, serenidade que termina por conquistar o público. Foi a despretensão e a poesia bruta da história de Hachiko que me pegou de cheio e me levou a nocaute.

Hachiko é um akita, raça de cachorro de origem japonesa que servia aos shoguns, os senhores feudais em tempos imemoriais. Seu nome de batismo era Hachi, ou na tradução para o português, oito, provavelmente o oitavo de uma ninhada, como deduziu um amigo orientalde Parker, personagem vivido por Richard Gere. O filhote Hachi foi enviado para uma cidade interiorana dos Estados Unidos, e, por um acidente – ou capricho do destino, possibilidade aventada pela trama – perde-se numa estação de trem. Dá de cara com Parker que o leva para casa e resolve cuidar dele até que o dono apareça, o que não acontece. Adotado, o animal cresce alimentado pelo carinho e amizade do professor universitário, e de sua família, que o encontrou. Essa amizade se perpetua até ineditamente depois da morte de Parker, por quem o cão passa a esperar todo os santos dias em frente a estação de trem.

A história de Hachiko, que aconteceu realmente no Japão, é assim simples, objetiva. O filme transcorre lento e gradual em cima de um cotidiano sem surpresas de uma família classe média igual a milhares de outras. O roteiro é coberto de veleidades, de momentos comuns, desses que recheiam o relacionamento quase maternal de quem cuida e ama bichos de estimação. É a tentativa de fazer com que o cão pegue uma bola de borracha, o companheirismo do animal naquelas horas mais bestas, enfim, o mais do mesmo. Mas, há na forma como Hallström leva o filme, uma seriedade e despretensão que ajuda o filme a fugir da pieguice. O cineasta narra a amizade sincera de um cão e seu dono, marcada pela surpreendente fidelidade, com a vantagem ainda de ter um akita expressivo dividindo o papel principal com um apenas correto Gehre.

Para laçar ainda mais o espectador, há nas entrelinhas do filme, uma espiritualidade exposta em momentos estanques do longa-metragem. “Você achou o cão ou foi o cão que lhe achou?”, pergunta em determinado momento o colega oriental(Cary-Hiroyuki Tagawa) de Parker. É como se entre os dois houvesse um laço programado pelo destino, um diálogo mudo e terno que emociona. A parte final da fita, quase sem diálogos, na qual a fidelidade imperiosa do cachorro se mostra por inteiro, é de cortar os pulsos. Difícil, até para os corações de pedra, não chorar. Ponto para a escolha do elenco, que tem uma boa química. A esposa de Parker, vivida por Joan Allen(na foto com Hachiko), ajuda a levantar, por exemplo, a interpretação contida e linear de Richard Gehre.

Sempre ao seu Lado não é uma obra-prima. Diria que é um grande filme menor de Hallström, mas que se supera pelo desprezo a uma moral da história e pelas lições de vida ocultas em suas entrelinhas. Mais um longa-metragem de cachorro? Não. Seria injusto querer compará-lo, por exemplo, a dramas como Marley e Eu, blockbuster no qual a temática é parecida. Dentro de cada coração bobo, como o meu, é possível encontrar um valor diferente emaranhado nesse trabalho. E é bom acompanhar de vez em quando um roteiro simples, tratado com zelo quase oriental pelo diretor ocidental. Por isso, deixando de lado análises frias e intelectuais, vale chorar. Afinal, como disse o poeta português, tudo vale a pena se a alma não é pequena.

Cotação: 4

Veja o trailer legendado do filme:

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Popice refinada

Electropop sem vergonha. Esses caras já arrebanharam uma legião de fãs fazendo uma música onde reina um teclado revivalista, melodias simples e letras levezinhas. O pulo do gato do Hot Chip – era, mesmo com o uso de uma velha fórmula, a pulsação contida nas canções que levava invariavelmente o abduzido para a pista de dança. Um pop dançante com boas composições e muita catarse. Dance rock inteligente e fora do padrão baticum emburrecedor. Foi assim que seus dois primeiros trabalhos, Coming on Strong(2004) e, principalmente, The Warning, alçaram esses ingleses “nerds”, como são apelidados pela crítica, ao hall da fama. Eles voltaram agora com One Life Stand(Emi, 2010), o quarto álbum de carreira, mais equilibrados, românticos e, desculpem o lugar comum, amadurecidos. Traduzindo: o Hot Chip faz agora o que bem quer sem o medo de decepcionar seus seguidores.

O que se vê em One Life Stand é uma banda se afastando do carimbo indie que marcou o início de carreira. Despiram-se do véu do simulacro, daquele ranço que emprestava à sua música um certo cerebralismo, destilado em um electroindie com referências rítmicas abusadas, para serem adoravelmente objetivos e pop na medida do possível. Fizeram um disco mais perto do cidadão comum, que necessita de canções menos discursivas e que toquem a alma. Nesse caminho, produziram baladas carregadas de sentimento. “Slush”, que começa mântrica, com vozes sobrepostas, e segue melancólica fluindo sua bela melodia. “Agora eu sei que existe um Deus em seu coração”, canta um doído Alexis Taylor, resgatando a memória de uma paixão. “Brothers” é outra que soa triste, apesar da programação eletrônica um pouco mais animada. A cool “Alley Cats” finaliza essa trilogia das composições emotivas que podem afastar um pouco o Hot Chip dos fãs que preferem a energia dance do grupo.

Essa energia dance quando exposta, contudo, não comparece no álbum com a esperada voltagem toda. O electropop refinado do Hot Chip parece ter ficado um tanto mais elegante. Músicas como “We Have Love” e “Take it In”, foram feitas para a pista, mas estão mais para um chillout do que para a ferveção. São os momentos mais mornos e pouco inspirados do disco, ao lado de "Keep Quiet", balada inspirada, segundo o vocalista e tecladista Joe Godard, no fenômeno internético Susan Boyle. Mas, isso não empana a fase pop e direta presentes em músicas que só comprovam a fama e o talento conquistados pelos londrinos. As canções que abrem o disco são exemplares finos e bem acabados de um grupo sereno e senhor de sua arte. “Felicidade é tudo o que queremos / afastando sentimentos que não queremos”, avisa o vocalista, nadando de braçadas em uma batida seca de bateria e um teclado limpo e com cara das décadas de 80 e 90 do século passado.

Com a mesma alegria e inspiração, os cinco integrantes do grupo desfilam uma seqüência de três petardos para as pistas. A começar com “Hand me Down You Love” que, mais hardcore, traz uma bateria forte e marcada que permeia uma melodia cheia de personalidade. Esta só perde em animação para a ótima “Feel Better”, com destaque para uma programação eletrônica pomposa e a entrega dos vocalistas. Biscoitos finos que abrem alas para a melhor música do disco, exatamente a que leva seu nome. Difícil ficar parado diante do electropop contagiante de “One Life Stand”. Uma série arrasadora que garante ao Hot Chip, mesmo sem ter feito seu melhor álbum, um lugar na constelação das grandes bandas do gênero. Um trabalho para quem não tem frescura ou preconceito musical poder se refestelar nas pistas ou entre quatro paredes, naquelas horinhas do aconchego. Renda-se aos caras porque eles, definitivamente, são bons.

Cotação: 4

Tente:

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Tente outra vez:

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Assista ao clipe de One Life Stand:

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Oração a São Sebastião

Pronto, 2010 começou. Mas, será se estou pronto para 2010? O danado já chegou meio esquisito. Lá pras bandas do triste Haiti, a terra resolveu engolir gente num regurgito talvez da nossa própria antropofagia. A gente come a terra e a terra come a gente. Que o fato seja uma ilha de profundo pesar – sem que nunca nos esqueçamos da lição dolorosa da natureza – no meio de um continente de notícias boas que hão de se multiplicar nos vindouros dias. Façamos uma corrente de fé, como devotos fervorosos da esperança, para que as tragédias não se repitam nesse ano e nem nos próximos. É uma figa que pessoalmente faço neste 20 de janeiro, dia de meu padroeiro, São Sebastião, que, como guerreiro, pode ter sucumbido às flechadas, mas que como homem – longe da auréola – se perpetua na memória dos que acreditam que temos que lutar até o fim por aquilo que mais acreditamos.

Nessa cruzada do credo que está começando, devemos assim ter fé no Brasil. E 2010 é um ano bom para isso. Porque nesses tantos e centenas de dias que vão vir por aí cheios de expectativa, o guerreiro Bastião, padroeiro também de Boa Vista, há de estar do nosso lado. Torcendo e acreditando no talento dos pés e no suor da camisa de 22 jogadores brasileiros que nos são devedores de uma copa verdadeiramente santificada, daquelas cujas vitórias não deixam um rastro sequer de dúvida. Ou que, não sejamos merecedores dessa graça, que ela seja dada aos africanos, nossos irmãos de sangue e de esperança. Uma vitória da negritude e do berço que nos fez uma nação musical e alegre, eles que tratam a bola com a mesma energia e relação mágica com que nossos velhos craques negros tratavam.

E mesmo que alvejados com a flecha de uma derrota na copa do mundo, que continuemos em pé com a mesma fé e esperança para encarar o futuro nas urnas. Mais firmes do que nunca. E aí a cabeça mais que o coração deve se fazer presente. Sejamos nessa fantástica festa da democracia torcedores convictos e, mais do que isso, jogadores e juízes serenos desse embate no imenso campo da política. Porque teremos o país refém daquele que escolhermos para ocupar palácios e câmaras, refém de nossa decisão. E mais do que pregar nas paredes cartazes dos políticos nos quais acreditamos serem dignos do voto, as pintemos com as cores da fé de um Brasil mais íntegro e feliz. E que essas cores sejam verde e amarela, que nosso coração seja verde e amarelo e que Sebastião possa ser um dos nossos guias nesse caminho verdadeiramente espinhoso que é escolher as pessoas certas no tão perto outubro de 2010.

E que quando chegar o fim de 2010, possamos principalmente olhar para trás felizes do que fizemos, orgulhosos de cada ato, de cada pequena frase dita, dos amores conquistados e plenamente conscientes, como um monge purificado, dos erros assumidos e honrosamente corrigidos. E ainda com a doce certeza de que essa nação melhorada que conquistaremos em dezembro deste ano tenha a ver um pouquinho com o que fizemos, com a comunhão catártica dos esforços dos filhos dessa nação por um Brasil vitorioso. Seremos sim felizes em 2010 e teremos a nossa alma enxaguada com o perfume da decência e renovada assim em nós a essência da vida. São Sebastião, olhai e torcei por todos nós brasileiros de coração grande, amantes da liberdade e guardiães da esperança. Esse ano, é nós, inteirinho e completamente felizes, na foto. Amém.

Créditos das obras de arte:

Tela 1 - São Sebastião, de Ronaldo Mendes
Tela 2 – A Fera, de Aldemir Martins (1966)
Tela 3 - Sem nome, de António Ely Silva
Tela 4 - Sem nome, de Everenice Tamanini

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Abaixo a caretice

Lulina tem um mundo próprio. Feito de minhocas, carneiros, de príncipes encantados que preparam a janta enquanto as princesas caem bêbadas nas baladas. De casais abertos a relacionamentos menos tradicionais e margaridas que se apaixonam por girassóis. A pernambucana expôs seu universo lúdico para um público mais amplo quando teve seu Cristalina(2009 – YB Music), um dos lançamentos mais interessantes do ano passado e o primeiro trabalho da artista gravado em estúdio, distribuído em território nacional. Antes havia feito oito álbuns(!) caseiros com nomes tão esquisitos quanto Bolhas na Pleura(2004) e Aos 28 Anos Dei Reset na Minha Vida (2008), alguns deles gravados no laptop albino da compositora batizado de Hermeto(referência ao grande músico Hermeto Paschoal).

Intransigente e viajante, o primeiro álbum oficial de Lulina (a Luciana Lins, como foi registrada em cartório) é um apanhado das músicas “com roupa nova”, como disse em uma entrevista, que compôs durante seus anos de longa transição para uma gravadora. A recifense, como defende o título do disco, é cristalina em suas composições. Desnuda memórias afetivas de sua infância, como em “Do You Remember Laura”, onde fala de uma época em que achava em que o “sol era feito de neve por dentro”, ou mete o pé na jaca no surrealismo mais desfraldado, visualizado em “Criar Minhocas é um Negócio Lucrativo”, na qual criou uma cama sonora feita de estranheza para contar como um cadáver conversa, a sete palmos abaixo do chão, com essas iscas para peixe. Tim Burton se orgulharia da moça.

As letras diretas, confessionais ou simplesmente amalucadas, são um dos pontos fortes de Cristalina. É engraçado ouvir Lulina cantando sobre problemas de “bolhas na pleura” na música “Biebs”. Um diagnóstico médico que fez com que a paciente, personagem da canção, ficasse “com medo de estourar e nunca mais voltar”. Ou em “Sangue de ET”, na qual convida todos a beber o líquido com “gosto de jujuba e jatobá” para curar todo o mal. “O sangue de ET tem poder”, brinca parafraseando uma velha máxima católica. Viagens a parte, a cantora também fala sério, quando dá um tempo de sua Lulilândia para falar de sentimentos e filosofar sobre o cotidiano. Papo reto. Como em “Nós”: “A vida é desfazer nós, nós de nós mesmos / A linha da vida fica maior se você consegue tirar o nó”. Faz sentido.

Sem vergonha, Lulina trata os assuntos de maneira explícita e que faria as menos moderninhas corar. Não existem tabus para a pernambucana. Em “Meu Príncipe”, canção romântica com roupagem brega, o apaixonado da mocinha gulosa lhe “dá múltiplos orgasmos e são treze no total/ limpa o banheiro, lava a roupa suja e eu bebo, bebo, bebo (...) Ele quer discutir a relação e eu não”. No roquezinho “Balada do Paulista”, ela sacaneia com os maneirismos linguísticos dos paulistas com seu sotaque carregado de pernambucana: “Puta meu. Tipo, nossa cara”, repete o refrão no meio da história de um casal aberto no qual a mina encontra outra mina que lhe oferece um baseado: “Logo no primeiro pega, ela já olhou pra mim e disse que era de outro pega que ela estava afim”. Impossível não se divertir com o bom humor explícito da composição.

Relação aberta é o que a autora tem também com as melodias. A voz um pouco grave de Lulina, que lembra as vezes a de Fernanda Takai, adorna canções com influências do indie a la Belle and Sebastian, como na graciosa “Bichinho do Sono”, ou pegada folk, a exemplo da fabulística “Margarida”. Em outros momentos belisca o dream pop como em “Mi gosta de Musga” ou se esbalda no rock básico, como em “Jerry Lewis”, uma homenagem ao bom e velho comediante, provavelmente um dos ídolos da cantora, que aqui ela tenta ressuscitar. Cristalina é o cartão de visitas definitivo de uma cantora plural que é a cara desse novo século, que abusa das referências e do diálogo mais direto e verdadeiro. Uma grata surpresa em um Brasil, graças a todos os santos e batuques, cada vez menos careta.

Cotação: 4

Você no país de Lulina:

http://www.4shared.com/account/file/156599516/3ec865da/Lulina_-_Cristalina__2009_.html

ou:

http://rapidshare.com/files/318479874/LC2009_musicasocial.rar

Ouça Cristalina na malha fina:

Cristalina - Lulina by astronauta

Escute Lulina e formação Cristalina em “Criar Minhocas é um Negócio Lucrativo”:

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O tiroteio dos desabusados

Todo um jeitão meio estranho, um maneirismo de quem nunca está contente com nada. Escrevendo o que acha certo por linhas tortuosas, na procura de uma forma diferente de se expressar, mesmo que seja por meio de experiências extravagantes. O que há por trás dos Dirty Projectors? Há um tiroteio de idéias e sonoridades enraizadas na dissonância. Bitte Orca(2009), o oitavo disco dos norte-americanos, figurinha fácil nas listas dos melhores álbuns do ano passado não era para estar assim tão onipresente nelas. Desfocado e agressivo em sua dispersão instrumental, o disco é uma miríade de sons onde dá para se sentir, acima do conceito de pluralidade, que a galera, no fundo, se diverte pra caralho fazendo música do jeito desabusado que escolheram.

Os desabusados são encabeçados por um carinha chamado Dave Longstreth, cabeção que encara a música como uma caixinha de experiências, ou de surpresas, se o ouvinte preferir. Esse diretor musical e ideólogo do grupo, ao lado de Amber Coffman (guitarra, vocal), Angel Deradoorian(teclados, guitarra, baixo e vocal), Brian Mcomber(bateria), Nat Baldwin(baixo) e Haley Dekle (vocal) absorve influências diversas, da black music, na raiz africana e na sua vertente afrodescendente, passando pelo noise, dodecafonismo entre outros gêneros. Nenhum deles é muito explícito em Bitte Orca, apesar de tudo, o trabalho mais acessível da banda novaiorquina, segundo a crítica especializada. O que há são experimentações, um amálgama sonoro que redunda numa música difícil de apreender, de se gostar de cara, mas nunca sem frescor e provocação.

Essa provocação é visível em faixas bipolares como "Tenecula Sunrise", que começa dissimulada com uma bela e linear guitarra que parece entrar em atrito com a voz dissonante dos vocalistas da banda. Na frente, outra surpresa, aquilo que parecia flutuar se estilhaça em um break instrumental destoante, barulhento, paranóica, seguido de nova calmaria. Essa parece ser a proposta do grupo: navegar no contraponto. Outra composição emblemática da zona sonora que os novaiorquinos do Brooklin produzem é a ótima "Useful Chamber, que mistura elementos da música eletrônica com guitarras distorcidas e repuxos dodecafônicos. O resultado disso parece ser uma grande brincadeira, uma massa sonora cheia de dissonâncias, que para entender e classificar, só ouvindo mesmo. Invente a sua classificação também.

E por falar em brincadeira, levada a sério é claro, no cadinho do Dirty Projectors, além da ousadia, fica evidente a ludicidade dos arranjos, principalmente os vocais, e a guitarra sinuosa de Dave Longstreth - uma atração a parte - principal base das composições. As interpretações do mentor do grupo andam quase sempre em descompasso com a das meninas, de belas vozes, Amber, Angel e Haley Dekle. É o caso de "Cannibal Resource", na qual o vocal masculino se choca com a atonalidade das cantoras do grupo e o que é mais bacana, tudo funciona direitinho. Em "Remade Horizonte", onde é possível enxergar na percussão tons africanos – influência, dizem, da amizade que a banda tem com o ex-lider do Talking Heads, David Byrne – as vozes onomatopaicas das garotas, cheias de suingue, parecem ter saído de um dos discos de Ladysmith Black Mambazo, grupo sulafricano que ficou conhecido no mundo inteiro quando participou de um disco de Paul Simon.

Mas, calma, galera, nem todo Bitte Orca é osso duro de roer. Longstreth e companhia dão descansos para os ouvidos, se aproximando do palatável, em algumas canções. "No Intention" é como um soul experimental, com baixo funkeado e guitarra cool e, seguindo a mesma linha, "Stillness is the Move", uma das melhores do álbum, é suave, com destaque para as vozes angelicais de Amber, Angel e Haley e um arranjo de cordas arrepiante. Oasis no meio dos sons sem fronteiras do Dirty Projectors. No frigir dos ovos, esse é um disco que não vai agradar a grande maioria dos ouvintes comuns, mas que tem charme suficiente para interessar aqueles que apreciam uma música corajosa e desapegada de rótulos. Experimente com gosto de sangue, porque experimentação pouca é bobagem.

Cotação: 4

Vá a caça dos projetores sujos:

www.mediafire.com/?xdj1m2znlh5

Ouça o disco na íntegra:

Bitte Orca - Dirty Projectors by astronauta

Veja clipe da bela "Stillness is the Move":

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Som movediço

Sabe quando uma música te leva para territórios inesperados, provocando sensações diversas e contrárias em rápidos minutos? Pequenos choques térmicos. Um som orgânico, movediço, que te tira o norte exatamente naquele momento em que você se imagina senhor da situação. Senti isso quando ouvi Veckatimest, terceiro álbuns dos irrequietos novaiorquinos do Grizzly Bear, e um dos mais elogiados discos do ano de 2009 pela crítica especializada. Não conhecia a banda - só depois me interessei em ouvir a discografia completa - e também não me surpreendi com sua proposta sonora ousada e complexa, ainda mais porque a turma vem do Brooklyn, onde tem sido saído algumas das bandas mais inventivas dos EUA, vide The National e TV on The Radio.

Essa galera do Brooklyn gosta mesmo de inventar. Ou, pelo menos, sair do lugar comum. Grizzly Bear vem desde o primeiro disco, Horn of Plenty(2004) – o segundo é o bacana Yellow House(2006) – buscando uma sonoridade onde se mistura influências dos anos 60 e 70, bebendo fartamente do psicodelismo e do folk, e do tempo presente, com seu dream pop e lo-fi, gêneros do rock cabeção de décadas distintas que se casam, porém, perfeitamente. Muitas bandas atuais tentam essa fusão. Mas, o grupo em questão simplesmente tentou levá-la a exaustão, com um preciosismo e talento que fazem de Veckatimest uma obra robusta, madura, que se resolve muito bem – a partir da viagem que se propõe – em si mesma.

A sonoridade dos 60 e 70 está na pegada folk e psicodélica, com seus instrumental vigoroso, catártico e com arranjos vocais trabalhados. Isso é claramente palpável na ótima “While you wait for the Others”, na qual a guitarra rascante e distorcida, típica dos dois últimos decênios, comungam com um corinho suave e bem orquestrado dos quatro músicos da banda, sem se atropelarem. Nas entrelinhas, o experimentalismo está presente na atonalidade dos instrumentos, como pode ser ouvido também na complexa “I Live with You”, onde um arranjo camerístico de cordas dialoga mais tarde com guitarra, baixo e baterias barulhentos, numa música triste, barroca e de melodia forte.

Os contrapontos marcantes de boa parte das composições, as mudanças de andamento constantes, suavidade e distorções, são usadas abundantemente. O que pega o ouvinte de surpresa. E atordoa. É o que acontece, por exemplo, com “Southern Point”, que abre espetacularmente o álbum, com seu jeitão sessentista, com direito a pandeirinho e coral forte. O instrumental redentor e um arranjo complexo fazem dessa uma das melhores composições do CD. O susto passa com “Two Weeks”, música seguinte, que mostra um lado mais pop e pé no chão do Grizzly Bear. O dream pop do grupo aparece intenso na linda “All we Ask”, melancólica e envolvente, que se aproveita de uma percussão e baixo forte para abrir caminho para a voz limpa de Daniel Rossen (guitarra, teclado) em parceria com os gogós de Ed Droste (guitarra, teclado), Chris Taylor (baixo, voz, sopro e eletrônicos) e Christopher Bear (bateria, voz).

“All we Ask” é emblemática do som feito pelo Grizzly Bear. É como se avistássemos à frente uma névoa, uma densa camada sonora na qual somos convidados a adentrar, sem medo. Só assim poderemos sentir a musica, desvendar a complexidade do som proposto, as minúcias musicais dos arranjos bem trabalhados. Barulho e silêncio, som sinuoso, corajoso, difícil de ouvir. A experiência, contudo, é válida. Só assim mesmo para viajar na beleza e estranheza de composições como “Dory” e “Foreground” ou na tensão permanente de “Read, Able”. Enfim, um disco profundo, que precisa ser ouvido várias vezes para que você possa criar intimidade. Quer um conselho? Deixe-se enredar nessa instigante trama sonora.

P.S.: Novidade na área. Lá embaixo você vai poder ouvir todo o Veckatimest, faixa a faixa, pelo Soundcloud. Divirta-se.

Cotação: 5

Tente um:

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Ou tente o outro:

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Veja o clipe de “Two Weeks”:

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Álbum de cabeceira

Antes de começar propriamente 2010, e para passar de vez a régua de vez naquilo que já virou passado, me vi na urgência de resgatar alguns sons que causaram algum alvoroço em 2009. São bandas que figuraram nas listas dos melhores álbuns do ano das publicações especializadas em música mais famosas e que não tive a oportunidade ou a paciência de ouvir. Preencherei a lacuna com três delas, as muito comentadas Wild Beasts, Grizzly Bear e Dirty Projectors. Começando pela primeira, a britânica Wild Beasts(os rapazes da foto), que lançou o excelente Two Dancers(2009), que, só agora e tardiamente, devo admitir, mereceu realmente figurar nas tais listas. É álbum de cabeceira, uma das gratas surpresas de um ano sem grandes novidades.

O que fez do Wild Beasts receber tantas loas da crítica? Talvez a fusão que o grupo faz de elegância e apelo pop. É possível esse casamento aparentemente contraditório? É, sim. Os caras vieram de um trabalho difícil e de nome esquisito, com jeitão experimental, Limbo, Panto(2008) e, no segundo trabalho, arrefeceram esse lado para tentar algo mais palatável. Two Dancers conseguiu o feito de criar melodias inspiradas e bem trabalhadas, de arquitetura claramente cool, mas sem esquecer – e reforçar – aquela leveza e sedução que aproxima a música do grande público. Exemplo acabado disso é a ótima “We Still Got the Taste Dancin'on our Tongues”, que começa estranha, quase soturna, com percussão tribal, para cair num roquinho dançante e de levada hipnótica.

Na mesma linha temos também, “Hooting & Holling”, uma das mais bacanas do disco, com baixo minimalista e piano pontual, repetitivos, contrapondo-se a guitarra e ao teclado polifônicos. Um assombro de composição que gruda impertinente no nosso ouvido, assim também como a música de trabalho da banda, “All The King’s Men” que fecha a tríade matadora de abertura do álbum, ao lado de “The Fun Powder Plot”. Em todas elas, e nas canções seguintes, os arranjos inteligentes utilizam-se de uma instrumentação enxuta e eficiente onde cordas e percussão envolventes servem de apoio para as ótimas vozes do vocalista principal, Hayden Thorpe (também tecladista), com seu afinado falsete, e do baixista Tom Fleming, que ataca num tom mais grave. Essa espécie de “gangorra” vocal surpreende e delicia, como em “All The King’s Men” ou na bela “Two Dancers II”.

Harmônico, o disco do Wild Beasts tem uma coesão interessante e, mais do que isso, uma sonoridade marcante, dessas que te faz dizer: “Opa, taí uma banda diferente”. As músicas se coadunam em sua vocação pop e elegância, até mesmo quando partem para uma sonoridade mais prosaica, como na curta e instigante “Underbelly” ou na mais animada “This is Our Lot”, na qual, apesar das batidas, uma doce melancolia se faz presente. O nível e a qualidade de todas as canções mantêm-se sem sobressaltos. É um disco cheio somente de altos . Essa unidade musical e uma identidade própria ajudam a diferenciar a banda das outras revelações de 2009. Two Dancers é um precioso achado, uma pequena jóia. Se ainda não o fez, escute este petardo com atenção e carinho.

Cotação: 5

Para ouvir os bestas feras, vá:

www.mediafire.com/?j0hmmnzcyym

ou

www.megaupload.com/?d=FV342D44

Veja o clipe da linda “Hooting & Holling” do Wild Beasts:

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Fróes é foda

Minha lista dos melhores álbuns brasileiros de 2009 não tem preconceito. Une samba, rock e MPB no mesmo balaio afetivo. Afinal, nossa música é mesmo assim, aberta às misturas e temperos que nossa cultura, vasta cultura, oferece. E, ao contrário do que aconteceu lá fora, 2009 foi um ano extremamente positivo, pelo menos no lado mais iluminado da lua, aquele onde as rádios e TVs comandadas pelos barões do jabá não pegam lá muito bem. Ouvidos abertos e pesquisa feita, este foi o ano dos grandes retornos. Tivemos boas bandas voltando com discos maduros, como Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta e Numismata. Fomos brindados com novas alianças de velhos mestres, como João Bosco e Aldir Blanc, que fizeram de Não Vou pro Céu mas já não Vivo no Chão, vice-líder de minha seleção, um dos álbuns mais tocantes e poéticos do ano. Depois da estréia, vimos a manhosa Céu finalmente dando continuidade, com toda coerência, a sua carreira com o encantador e espertíssimo Vagarosa e Tiê fazendo seu batismo de fogo com Sweet Jardim, um trabalho extremamente delicado. A mocinha foi uma das belas novidades do ano ao lado de Rodrigo Campos, com seu urbaníssimo e afiado São Mateus não é um Lugar Assim tão Longe. Entre as mulheres, a veterana Ná Ozzetti se fez presente com uma homenagem prá lá de caprichada a Carmem Miranda. Contudo, quem conquistou mais fortemente meu coração foi mesmo os Pullovers, autores de um CD de rock inspiradíssimo e Rômulo Fróes(foto), que com seu No Chão sem o Chão, fez um discaço, unindo tradição e modernidade, uma obra que precisa ser revisitada sempre para ser melhor compreendida. A banda e o compositor são paulistas, assim como a maioria dos que compõem essa lista. Coincidência? Talvez não. Talvez sejam os músicos de São Paulo rompendo de vez a capsula de criatividade no qual estavam envolvidos e jogando pro mundo sua cultura catalisadora. Com tudo o que se viu, acho que em 2010, no território verde e amarelo, temos tudo, em se tratando de música, para se dar muito bem. Veja a lista e comente:

1.- Rômulo FróesNo Chão sem o Chão – O disco de MPB mais surpreendente do ano. Eloquente, o paulistano Fróes moderniza seu som e fabrica “transambas” e “transrocks”, criando uma obra madura e de alto nível.

2.- João BoscoNão vou pro Céu Mas já não Vivo no ChãoBosco volta com extrema inspiração à parceria com Aldir Blanc. E quem ganha somos nós com essa obra maiúscula e tão prenhe de elegância e sensibilidade que chega a emocionar. Irrepreensível.

3.- PulloversTudo o que eu sempre Sonhei - A banda paulistana, muito cultuada nas internas, mudou, evoluiu e manteve apenas em sua formação, o cérebro, poeta e vocalista do grupo Luiz Venâncio. Cantando em português, afiou o verbo revelando uma urbanidade aterradora.

4.- Ronei Jorge e os Ladrões de BicicletaFrascos, Comprimidos, Compressas – O amor é a tônica de um álbum provocador, autoral, que marca o retorno desses baianos que não abrem mão da inventividade. Bela volta.

5.- NumismataChorume - A bem definida opção estética, que mistura pesquisa e experimentos, aparece agora vestida de gala, marcando um grande álbum no qual produção esmerada e refinamento andam de mãos dadas.

6.- CéuVagarosa - Um disco corajoso e bem arquitetado. Céu confirma sua personalidade marcante e antenas ligadas com o que é feito de mais interessante aqui e mundo afora, presenteando o ouvinte com um disco climático e moderno.

7.- TiêSweet Jardim - O disco é uma surpreendente lição de simplicidade e talento. Com ecos de folk, apesar da cantora negar essa tendência, Tiê mergulha em letras confessionais com melodias suaves e despretensiosas.

8.- Cidadão Instigado - Uhuuu - O bom e velho Catatau toca mais uma vez o foda-se para a caretice. Fala aqui para o resto da humanidade “eu sou eu, nicuri é o diabo”, como diria Raul, ou numa tradução mais jovem guarda, "que tudo mais vá pro inferno”.

9.- Rodrigo CamposSão Mateus não é um Lugar Assim tão Longe – O disco é uma declaração de amor à vida feita com delicadeza e talento por um paulistano cheio de poesia e talento. Seja bem vindo, Rodrigo, ao mundo dos bons.

10.- Ná Ozzetti Balangandãs – Uma das mais afinadas cantoras brasileiras faz a melhor homenagem do ano a Carmem Miranda, no centenário de seu nascimento. Balangandãs honra, com sobras, a inesquecível pequena notável. Discaço.

Taí o clip de "Para Fazer Sucesso", que faz parte de No Chão sem o Chão de Rômulo Fróes:

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

À espera do orgasmo

E aí vai minha singela lista dos dez mais de 2009. Na verdade, resolvi fazer duas seleções: uma voltada para o rock internacional e outra para a música brasileira. Começo com a gringaiada. E devo revelar logo de saída meu sentimento: não ouvi nenhum disco que me empolgasse inteiramente, que me arrepiasse a alma sedento por música de qualidade. Sabe aquele tesão que ilumina a gente e nos faz flutuar? Pois, é, não rolou o orgasmo redentor. Faltou, entre os álbuns que ouvi e/ou resenhei, a chama da invenção única, o diferencial que nos faz ficar perdidamente apaixonados por esse ou aquele grupo a ponto de ficar esperando com o coração descompassado o próximo movimento. Nada de Franz Ferdinand ou Arctic Monkeys, pelos quais antes tinha jurado amor eterno, e que perderam o fogo com os CDs que lançaram este ano. Nada de Animal Collective e seu Merriweather Post Pavilion, presente em quase todas as listas das revistas especializadas em música, que, na verdade, só me brochou com seu cerebralismo. Nada de U2 ou Bob Dylan ou outros velhos menestréis e medalhões. Minha lista não bate muito com as que reproduzi no blog nos últimos dias, até porque não ouvi muitos dos trabalhos que foram listados pelas Uncut, NME e Rolling Stone da vida. Posso adiantar, contudo, que minhas escolhas foram sinceras e privilegiaram bandas e artistas que já tem algum tempo de estrada e se renovaram saborosamente em 2009. Caso do The Fiery Furnaces(a dupla da foto) e sua assunção do pop com I’m Going Away, de Kasabian, que fizeram seu disco mais bem acabado, The West Rider Pauper Lunatic Asylum, e da fantástica Neko Case, com seu folk rock engenhoso impresso docemente em Middle Cyclone , os campeões da lista. Entre as novidades, elegi The xx, uma das raras intersecções entre minha lista e as das publicações estrangeiras de música, os globalizados do Fanfarlo e os australianos do The Temper Trap, competentes criadores de belas melodias. Eis, sem mais delongas, minha lista pronta para ser devorada pelos leões. Bom apetite. Amanhã entrego a lista dos melhores sons brasileiros de 2009. Até lá.

1.- The Fiery FurnacesI’m Going Away – Guinada pop de uma banda inventiva que resolveu abraçar o rock and roll naquilo que ele tem de mais sedutor: a energia. Um disco impecável que não sai da minha vitrolinha.
2.- Kasabian The West Rider Pauper Lunatic Asylum – É o disco que coloca os britânicos do Kasabian na linha de frente do rock da terra da vovó Elizabeth. Um passo certeiro e milimetricamente medido.
3.- Neko Case - Middle Cyclone – Neste belo álbum, a norte-americana empreende um sucessor a altura do lindo Fox Confessor Brings the Flood(2006).
4.- DovesKingdom of Rust – A banda demorou quatro anos, depois de Some Cities (2005), para gravar este álbum. Valeu a espera. Os irmãos Williams sacudiram a poeira e azeitaram seu pop rock melódico.
5.- Bob Mould Life and Time - O último do novaiorquino Mould é cheio de bons achados em sua simplicidade. Arranjos eficientes e canções inspiradas fazem do disco um feliz exemplar de coesão sonora
6.- Fanfarlo Reservoir - O debut orgânico desta banda que se utiliza de instrumentos incomuns para construir uma sinfonia delicada e sinuosa. Uma estréia primorosa.
7.- The CribsIgnore the Ignorant – A banda cresceu em peso, inspiração e ótimos riffs de guitarra. A presença de Johnny Marr, ex-Smiths, é matadora.
8.- The xx The xx - Com sua estréia, The xx foram espertos o suficiente para criar um disco que conversa com um público mais sensível. Melodias elaboradas ganharam crítica e público no mundo todo.
9.- The Mars Volta Octahedron - Mais pop e acessível, os malucos da banda fizeram um trabalho lúdico onde até a melodia tornou-se palpável. Bom demais.
10.- The Temper Trap Conditions – Sem medo de ser feliz, os australianos do The Temper Trap fizeram um álbuns repleto de boas melodias, arrematadas pela voz marcante de Dougy Mandagi.

Veja o clip da música “Charmaine Champagne” do The Fiery Furnaces:

Esses tão rindo à toa

A lista dos melhores álbuns da britânica e charmosa Uncut, uma das revistas sobre música mais interessantes da Europa, ao contrário da Rolling Stone(veja resenha abaixo), trouxe bandas mais moderninhas e menos conhecidas em seu top ten de 2009. É do perfil da publicação. Entre os artistas de peso elegeu apenas o velhinho Bob Dylan com seu Together Through Life, que emplacou uma honrosa quarta colocação. Ele merece, é claro. Mas, de resto, a revista não fugiu do padrão das suas contemporâneas, que se derreteram diante do complexo Merriweather Post Pavilion, do consensual Animal Collective (foto), escolhido como o melhor do ano e bateram palmas para a modernice do The xx, em 6º lugar, e os vigorosos Two Dancers, do Wild Beasts (ainda vôo comentar no blog esse trabalho dos caras), em 5º, e Veckatimest, do Grizzly Bear, em 8º, discos que me escaparam no ano passado, mas que resgatei recentemente para escutar. A surpresa da lista é o indie rock de responsa do Super Furry Animal, que descolaram a vice-liderança com Dark Days/Light Years, disco que, para mim, deixou a desejar. Questão de gosto, né... Falar nisso, veja aí se você concorda com o gosto da galera da Uncut e a lista dos 50 melhores álbuns de 2009:

1. Animal Collective – Merriweather Post Pavilion
2. Super Furry Animals – Dark Days/Light Years
3. The Dirty Projectors – Bitte Orca
4. Bob Dylan – Together Through Life
5. Wild Beasts – Two Dancers
6. The XX – The XX
7. Wilco – Wilco (The Album)
8. Grizzly Bear – Veckatimest
9. Yeah Yeah Yeahs – It’s Blitz!
10. Phoenix – Wolfgang Amadeus Phoenix
11. Bill Callaham – Sometimes I Wish We Were An Eagle
12. Fever Ray – Fever Ray
13. White Denim – Fits
14. The Flaming Lips – Embryonic
15. Bassekou Kouyate And Ngoni Ba – I Speak Fula
16. Florance And The Machine – Lungs
17. Doves – Kingdom Of Rust
18. Graham Coxon – The Spinning Top
19. Sonic Youth – The Eternal
20. The Horrors – Primary Colours
21. The Low Anthem – Oh My God, Charlie Darwin
22. Alela Diane – To Be Still
23. Manic Street Preachers – Journal For Plague Lovers
24. Micachu And The Shapes – Jewellery
25. Sunn 0))) – Monoliths And Dimensions
26. The Unthanks – Here’s The Tender Coming
27. Yo La Tengo – Popular Songs
28. Madness – The Liberty Of Norton Folgate
29. Pj Harvey & John Parish – A Woman A Man Walked By
30. Jim O’ Rourke – The Visitor
31. The Dead Weather – Horehound
32. Iggy Pop – Preliminaries
33. The Duke And The King – Nothing Gold Can Stay
34. Trembling Bells – Carberth
35. Tinariwen – Imidiwan: Companions
36. Fuck Buttons – Tarot Sport
37. Dinosaur Jr – Farm
38. Arctic Monkeys – Humbug
39. Cornershop – Judy Sucks On A Lemon For Breakfast
40. The Felice Brothers – Yonder Is The Clock
41. Van Morrison – Astral Weeks Live At The Hollywood Bowl
42. Richard Hawley – Truelove’s Gutter
43. Bruce Springsteen – Working On A Dream
44. Reigning Sound – Love And Curses
45. Richmond Fontaine – We Used To Think The Freeway Sounded Like A River
46. Broadcast & The Focus Group - …Investigate Witch Cults Of The Radio Age
47. Alasdair Roberts – Spoils
48. Raphael Saadiq – The Way I See It
49. Jay-Z – The Blueprint 3
50. Kurt Vile – Childish Prodigy

Assista ao clip de "My Girls", do incensado Animal Collective:

No rastro dos medalhões

Voltando de férias, retorno também ao trabalho de divulgação das listas dos melhores álbuns de 2009. Fiquei devendo, por exemplo, a da tradicionalíssima revista mainstream Rolling Stone, edição norte-americana. Os críticos da publicação foram conservadores e elegeram pelo menos quatro medalhões do rock internacional na sua seleção dos dez mais do ano passado: U2 (foto), que ficou em primeiro lugar com No Line on the Horizon, Bruce Springsteen, Green Day e Sonic Youth, esta última seguida, em 11º, pelo Pearl Jam, que lançou o bom e agitado Backspacer. Isso é o que se chama “ir pra galera”, mesmo que esta opção seja bastante discutível, afinal, U2, só para citar o preferido, produziu um trabalho, a meu ver, apenas mediano. A revista, contudo, tentou se alinhar com as concorrentes elegendo as revelações Phoenix(Wolfgang Amadeus Phoenix), em 3º, e The xx (The xx), em 9º, que junto com o bacanéssimo Dirty Projectors (Bitte Orca), tornaram menos burocrático o rol dos melhores do ano. Se você ainda não conhecia a lista da Rolling Stone, segue aí embaixo, acrescentada de outros 15 álbuns que os editores consideraram excelentes. Compare com a sua.

1.- U2 - No Line on the Horizon
2.- Bruce Springsteen - Working on a Dream
3.- Phoenix - Wolfgang Amadeus Phoenix
4.- Jay-Z - The Blueprint 3
5.- Green Day - 21st Century Breakdown
6.- Dirty Projectors - Bitte Orca
7.- Neko Case - Middle Cyclone
8.- The Dream - Love vs Money
9.- The xx - The xx
10.- Sonic Youth - The Eternal
11.- Pearl Jam - Backspacer
12.- Mastodon - Crack the Skye
13.- Drake - So Far Gone Mixtape
14.- Animal Collective - Merriweather Post Pavillion
15.- Girls - Album
16.- Wilco - Wilco (The Album)
17.- Mos Def - The Ecstatic
18.- Bob Dylan - Together Through Life
19.- Bat For Lashes - Two Suns
20.- Yeah Yeah Yeahs - It’s Blitz!
21.- Grizzly Bear - Veckatimest
22.- Franz Ferdinand - Tonight: Franz Ferdinand
23.- Levon Helm - Electric Dirt
24.- Monsters of Folk - Monsters of Folk
25.- Raekwon - Only Built 4 Cuban Linx, Pt. II

Assista ao vídeo de "Magnificent" do U2: