terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conto erótico numa noite de senões

Foi um gozo e tanto. O fim de uma briga e desencontros que começou com o crepúsculo, num bar beiradeiro e fétido, de garçom cheirando a pinga, única testemunha desinteressada de um romance febril e repleto de interrogações. Nós dois discutindo o que é o amor, tentando entender a língua estranha um do outro, procurando legendas para as frases desconexas e ininteligíveis que saíam das bocas mergulhadas em cerveja quente. O desejo havia e pairava e cobrava a cama quente. Não antes de todo aquele tesão resguardado e adormecido por uma disputa infantil na qual éramos gato e rato numa luta sem vencedores, dois estúpidos animais.

Eu a amava e achava que ela tinha que me amar. Dever absoluto. Resposta esperada com fervor a uma ação intensa que bulia incansavelmente com todas as minhas células e minha combalida razão. Assim como um liquidificador que estilhaça a maça em milhões de pedaçinhos, eu por dentro, intranqüilo sem saber se toda aquela ebulição também morava nela. E ela, uma esfinge, intransponível em todos os movimentos, nos olhos sempre fugidios, que teimavam em alcançar os pedintes meus. Se ela dizia sim, eu entendia não. Se tudo ok, mais ou menos. Se queria sexo, cobrava, no fim, carinho. Se carinho, crueza de sentimentos. Poço de inconsistência diante de minha alma completamente aturdida por um turbilhão de dúvidas, afogada na nulidade homicida dela.

Naquele início de noite, no bar malcheiroso, ela pairava irritante ora respondendo com sua mudez ensurdecedora, ora matraqueando em seu intraduzível dialeto africano.

– Você me ama? – Perguntei penitente já sabendo que o troco viria em duas cédulas de sete reais e cinqüenta centavos.
- Porque você sempre me pergunta isso? – Despejava ela, com uma seriedade artificial, deixando tudo abissalmente por isso mesmo. Vácuo profundo.

Idiota, pensava comigo mesmo. Nem ser chamada de idiota ela merecia, aquela vaca, me indispunha, depois, em segredo. Me sentia como um velho garimpeiro, escanhoando com teimosia a pedra dura com um minúsculo canivete atrás de um diamante inexistente, um brilhante que antigas ambições já haviam consumido. Nada havia por debaixo daquela pedra. Nada havia dentro daquele gélido e embaçado coração ali na minha frente, que parecia caçoar insolente de minha raiva. Queria demonstrar desinteresse, ela, como se estivesse fazendo um favor a mim, fustigando cruelmente minha angústia. Sua majestade brincando, para fugir do tédio, com o pobre vassalo. Idiota sou eu, pensava por fim, depois de tanto murro em ponta de faca. Pobre vassalo idiota.

Durante cinco vezes, ela sorriu alto confirmando minha rendição construída dolorosamente, minuto a minuto, naquele ringue biafra. Soberana, ela saiu arrastando seu orgulho e sua insensibilidade, derrubando mesas e copos americanos, chamando a atenção do garçom, comparsa involuntário daquela noite de implacável incomunicabilidade. Eu feito cão sarnento sem dono a segui, dona da situação, equilibrando ódio e fúria domada, no rastro de suas pernas lindamente torneadas por um jeans azul escuro. Ela disse não para a sugestão de minha casa. Entendi como um sim. Fomos direto para minha cama desalinhada.

Outra longa disputa estava pronta para ser travada. Eu, já lanhado, arregimentei forças, amparado dessa vez pelo surdo desejo de tê-la, se não cúmplice de meu amor, pelo menos refém de meus instintos. Briga sem palavras, feita da troca de suor, de uma pele esquadrinhando a outra. Ela, em sua resistência provocadora, esquivava-se resoluta, malandra, de minhas investidas vorazes. Molhada, escorregadia, fingindo espanto e estupor. Como uma virgem temerosa diante do sacrifício. Puta, ela. Talvez quisesse eu, em minha sanha, compensar a frieza polar dos sentimentos dela dando, com todas minhas forças, um choque inesperado e intenso de prazer que talvez a acordasse, que talvez a fizesse ver que o sexo, o sexo puro, era um elogio de minha paixão.

E ele, o sexo, foi se fazendo devagarzinho naquela guerra santa. O desejo desamarrado depois de duas horas de heróica batalha se impôs com seu vigor desenraizado. As pernas dela, antes anteparos, escudos de poderosa liga, dançaram depois em minha direção num balé bêbado. A resistência foi se desfazendo diante da minha imperturbável e quase disciplinada insistência. Meu pau duro riscou suas coxas desenhando paisagens do paraíso, beijando a vontade da moça, ela, enfim, rendida. A buceta dela aberta em todo seu esplendor segredava juras de amor que a dona recusava-se a dizer. A boca, a outra, em direção ao meu ouvido, lambido e displicente, sussurrou então a frase, mínima frase. Dita soletrada com o ardor dos deuses. – Te amo. Foi um gozo e tanto.

Todas as obras de Rubens Gerchman(1942-2008), artista que pintou toda a sensualidade do beijo