quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Santa fidelidade

Na culinária popular brasileira, o trivial feijão com arroz ocupa um lugar de destaque. Virou substância cotidiana e eficaz pra defenestrar o fantasma da fome que ronda secularmente as mesas tupiniquins. Velhos amigos e conhecidos nossos. Os dois. Transformavam-se em guerreiros nos pratos de alumínio das crianças sem brinquedos quando, amalgamados com as pontas dos dedos miúdos, viravam soldados imaginários a lutar em fileiras. Brincar de capitão, dizia-se então. No linguajar do dia a dia virou também expressão praquilo que é comum, sem muita frescura. Dinosaur Jr. é por aí, feijão com arroz. Da melhor qualidade.

Quem conhece um mínimo da história do rock alternativo, sabe que J. Mascis, Emmett Murphy e Lou Barlow faziam um rock direto e inspirado. Bateria, guitarra e baixo barulhentos a serviço de canções com frescor e alto poder garageiro. Eles nunca mudaram muito em sua trajetória de 24 anos, apesar das longas paradas, uma delas com duração de uma década(1997-2007)!. É Feijão com arroz honesto, bem substancioso num universo, o indie, propenso a malabarismos e sonoridades estrambóticas. Eles retornam com Farm(2009), dois anos depois do último trabalho, Beyond(2007), fazendo com a mesma competência de sempre o mais do mesmo.

Na fazenda do Dinosaur Jr., é produzido um rock com apetite jurássico, fincado firmemente na garagem, com o barulho e a despretensão típicos do gênero que alimentaram muitas bandas no fim do século passado e alimentam até hoje. Essa energia garageira, misturada a uma poesia objetiva, ganhou muitos adeptos e fãs, a ponto da banda norte-americana virar objeto de culto, uma referência a ser seguida por outros garotos – a exemplo dos que montaram grupos como Built to Spill e Buffalo Tom – na busca de simplesmente se divertir com música. O trio e seus integrantes tornaram-se involuntariamente espécies de semi-deuses no Olimpo dos que curtiam o indie rock.

É louvável como 24 anos depois do debut, Dinosaur (1985) e do seminal You’re Living All of Me(1987), Mascis e companhia mantém fidelidade a esse rock`n`roll direto, inflamado, ora com ecos punk, escola desse vocalista e band leader, ora com um acento mais pop. Tudo com muita garra e desprendimento. Abra a garagem e sinta a lufada vigorosa de “Pieces”, música que inicia bem o disco com sua levada mais pesada e solo de guitarra superbacana. Uma das melhores e mais viciantes de Farm. A energia continua solta, e a guitarra também, com a bonita e mais pop “I Want You to Know”, com melodia contagiante e que remete aos momentos mais delicados e inspirados do Jane`s Adicction, outra banda de alta voltagem. Mesmo exemplo da deliciosa “Your Weather”, com bateria precisa e tintas fortes. Claras cores dos anos 90.

Mais objetivas e sujas, “Over It”, “Friends” e “There`s no Here” são pequenos e preciosos petardos juvenis, que podem figurar garantidamente no set list de festinhas animadas. Numa linha mais bluezzy, “Said the People” com seus quase oito minutos é uma balada de cortar o pulso, com Mascis cantando com a alma exposta e pedindo salvação para um coração dolorido. Menos introspectiva, mas também, a meu ver, um outro grande destaque do disco, “Plans” começa com cordas climáticas para, num crescendo, desaguar numa linda composição de melodia grudenta e memorável.

Farm é mais um atestado da perenidade musical da veterana Dinosaur Jr., uma banda que não precisa remar a favor de modismos. Basta somente seguir viajando em linha reta no trem que os colocou nos trilhos da história. Ser simples, direto e honesto num momento musical franco-atirador, onde vender espalhafato e levar vida desvairada virou passaporte para ter sucesso na mídia, é uma atitude ironicamente corajosa e, no mínimo, madura. E maturidade, dá pra perceber no final da audição desse disco soberano, aquela boa e velha banda tem de sobra.

Cotação: 4

Aperte o play:

http://www.mediafire.com/?5myy2mwdmz1