segunda-feira, 27 de julho de 2009

Baita negona

Quando morava em Brasília, notava que o nome de Ellen Oléria era uma constante na agenda cultural dos telenoticiosos. Incansável, a moça parecia onipresente nas noitadas dos fins de semana candangos. Muitos falavam para mim que a cantora e compositora era talentosa, mas nunca havia aparecido uma oportunidade mais clara de vê-la para comprovar a teoria dos amigos. Até que um dia me vi ali, em frente ao palco, bem no gargarejo, hipnotizado pela intensidade daquela baita e maravilhosa negona.

Ellen é negra e não nega. Os grooves, a black music, o rap e o jazz incidentais nas musicas suingadas comprovavam isso. Toda aquela incandescência no palco estava para sentar praça em um disco, informou ela naquela noite fria e chuvosa de maio em que me vi, pela primeira vez, presa do talento daquela mulher. O álbum aconteceu, enfim, fruto de uma experiência musical de quatro anos e muitos bares afora. Peça é o nome da peça, um CD bacana, mas que infelizmente não faz jus à eletricidade e alegria que a artista incorpora em seus shows ao vivo.

Peça tenta trazer a energia intransigente de Ellen Oleria para o registro definitivo de um álbum. E até consegue em certos momentos nas faixas mais iluminadas e vibrantes do trabalho. É o caso das duas elétricas versões da ótima “Senzala(A Feira da Ceilândia)”. A primeira puxa por um irresistível acento funk, com a metaleira chamando para dançar. Mais dançante ainda, a versão remix promove a fusão do funk com o rap, com a participação do ótimo Gog nos vocais. “Sinto necessidade, uma vontade grande de dançar”, canta a artista na música. A gente também, Ellen, com certeza.

Também boa pra fazer dançar é “Pedro falando com o reflexo”. É outro funk com letra e refrão espertos. A composição, sobre um trabalhador com urgência para curtir a noite depois de uma semana de muito suor, engata, a exemplo de “Senzala”, na mistura black music, funk e rap, com invejável suingue. Difícil, para os mais afoitos, não rebolar o esqueleto. Mesmo caso de “Forró de Tamanco”, uma versão deliciosa para um xote do Três do Nordeste. Aqui o pé de serra do trio ganha uma cadência roqueira e pop, com destaque para a sanfona sedutora e uma guitarra pesada, num inimaginável casamento, e a interpretação vigorosa de Ellen.

Há ainda sambinhas legais, como “Só pra Constar”, com levada jazzy e melodia mais candente, mesma linha de “Posso Perguntar?”, que abre o disco apresentando estrategicamente para os incautos a voz negra, forte e limpa de Ellen Oléria. Mas essas canções e as baladas intimistas que se espalham pelo disco, todas compostas pela artista, assim como 90% do disco, não criam um corpo orgânico e nem traduzem a robustez da música e negritude inflamável da artista. Irregular, Peça peca pela escolha do repertório. Mas, da artista não há o que duvidar: o encantamento começou.

Cotação: 3

Funke-se:

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