quarta-feira, 8 de julho de 2009

Parceria mais que afinada

De um lado, um artista recluso, dono de uma pena fina e extrema sensibilidade para compor músicas tão estranhas quanto belas. Do outro, um produtor requisitado, competente artífice de hits grudentos. No meio, um dos cineastas ingleses mais cabulosos e originais dos últimos tempos. Os três, respectivamente, Mark Linkous, o cérebro por trás do Sparklehorse, Danger Mouse, o criativo do Gnarls Barkley, e David Lynch assinaram um projeto gráfico-musical que redundou no consistente Dark Night of the Soul (2009), um dos álbuns mais sinceros e bacanas do ano.

O “assinar” aqui é no sentido lato da palavra. A assinatura dos três está muito pulsante e evidente nesse projeto gráfico que traz fotos de Lynch e músicas elaboradas por Sparklehorse e Danger Mouse. Não vi o livro, somente fotos esparsas, algumas das quais ilustram essa resenha. As composições, por sua vez, caíram na internet depois que a gravadora desistiu, por motivos não divulgados, de prensar os CDs. E encheram meus ouvidos e, provavelmente, daqueles que gostam de música autoral e com estampa bem definida.

Dark Night of the Soul traz Sparklehorse e Mouse afinadíssimos, ampliando os laços musicais que já haviam testado com sucesso em Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (2006), último álbum de Linkous. Os dois mantém no disco a identidade que os fizeram respeitadíssimos – cada um em seu campo – casando a programação eletrônica orgânica do engenheiro do Gnarls Barkley com a musicalidade complexa do mentor do Sparklehorse.

A programação eletrônica intensa, com barulhinhos, chiados, distorções criam texturas instigantes e em completa harmonia com o universo indie e sempre no limite do desespero construído por Linkous. Talvez seja isso que provoque a sensação de encantamento. É como se o cerebralismo de Mouse enquadrasse, de alguma forma, os devaneios do Sparklehorse. A mescla da arte dos dois encontra real equilíbrio no conjunto da obra, com o auxílio luxuoso de muita gente boa que participa do álbum.

Mesmo com esse equilíbrio o disco é desiquilibrado. Os autores da obra conseguem ser orgânicos em cada peça, mas não exatamente no repertório que oferecem, que vai de músicas mais palatáveis a outras que travam o cérebro. A fusão de um produtor racional com um artista viajandão produz momentos sublimes que podem beirar, inclusive, o pop. Casos de “Revenge”, música lenta e sensual, na qual o Flaming Lips rasga o coração do ouvinte, ou nas competentes “Jaykub” e "Everytime I'm With You", as duas com melodias acachapantes interpretadas com paixão por Jason Lytle, a alma do extinto Grandaddy.

Pop também, mas numa linha mais roqueira é “Little Girl”, uma música vibrante que conta com o participação fundamental de Julian Casablancas, do Strokes. O refrão é um achado sonoro. Boa pra cacete. Nessa linha mais pé no chão e “popular” está também "Daddy's Gone", na qual Mark Linkous divide o vocal com uma tímida Nina Persson, a voz feminina do Cardigans, numa música de doer a alma.

A tristeza, aliás, perpassa parte do repertório de Dark Night of the Soul. Escurte a curta e bela "Grim Augury", música bêbada na qual o casmurro Vic Chesnutt, dono de um timbre único, arrepia no vocal ao som de batidas secas e teclado espesso e hipnótico. Mas há também momentos mais insubmissos e enérgicos, a exemplo de "Angel’s Harp", onde um raivoso Black Francis, ex Pixies, arranha uma melodia meio alucinada com guitarras pesadas e distorções atacando nosso cérebro sem dó nem piedade. E de “Pain”, com Iggy Pop destilando sua insolência roqueira numa composição provocativa e bem mais "macho" do que se mostra em seu recente trabalho, Preliminaires (2009).

Dark Night of the Soul é, enfim, um álbum que ganha o ouvinte pela diversidade, arranjos densos e pela qualidade das composições. Um disco rico e memorável de músicos que tem algo a mostrar. A inteligência aqui, pode ter certeza, é a grande alma do negócio.

Cotação: 5

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