sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A lista equilibrada da Q

E vai mais uma lista dos dez melhores álbuns do ano. A Revista inglesa Q colocou no topo o bacanudo West Rider Pauper Lunatic Asylum, dos também britânicos Kasabian. Fugiram do lugar comum de boa parte das publicações que se renderam ao som do Animal Collective e seu incensado Merriweather Post Pavilion, que aqui ficou em um honroso quarto lugar. Outros hypes como The Horrors, com Primary Colours e Wild Beasts, com Two Dancers, citados pela maioria das revistas especializadas, ficaram respectivamente na 39ª e 41ª posições. A lista da Q é mais pop e equilibrada do que a maioria das que vi até agora e lembrou até, entre os dez mais, do medalhão U2, com o mediano No Line on The Horizont e da espevitada Lily Allen, que lançou o álbum It's Not Me, It's You. Veja abaixo todos os 50 escolhidos, do último ao primeiro, e compare com os seus preferidos.

50. Jarvis Cocker - Further Complications
49. Bob Dylan - Together Through Life
48. Ian Brown - My Way
47. Madness - The Liberty of Norton Folgate
46. Golden Silvers - True Romance
45. Conor Oberst and the Mystic Valley Band - Outer South
44. The View - Which Bitch?
43. Tinariwen - Imidiwan: Companions
42. Mariachi El Bronx - Mariachi El Bronx
41. Wild Beasts - Two Dancers
40. Cheryl Cole - 3 Words
39. The Horrors - Primary Colours
38. Richard Hawley - Truelove's Gutter
37. Fuck Buttons - Tarot Sport
36. Sonic Youth - The Eternal
35. Pearl Jam - Backspacer
34. White Lies - To Lose My Life...
33. Dirty Projectors - Bitte Orca
32. Paolo Nutini - Sunny Side Up
31. Biffy Clyro - Only Revolutions
30. La Roux - La Roux
29. Wilco - Wilco (The Album)
28. Bruce Springsteen - Working on a Dream
27. The Dead Weather - Horehound
26. Bat for Lashes - Two Suns
25. Noah and the Whale - The First Days of Spring
24. Mos Def - The Ecstatic
23. The Prodigy - Invaders Must Die
22. The Low Anthem - Oh My God, Charlie Darwin
21. Jamie T - Kings & Queens
20. Fever Ray - Fever Ray
19. Monsters of Folk - Monsters of Folk
18. Mika - The Boy Who Knew Too Much
17. Green Day - 21st Century Breakdown
16. Empire of the Sun - Walking on a Dream
15. Dizzee Rascal - Tongue N' Cheek
14. Devendra Banhart - What Will We Be
13. Grizzly Bear - Veckatimest
12. Jack Penate - Everything is New
11. Doves - Kingdom of Rust
10. Phoenix - Wolfgang Amadeus Phoenix
09. U2 - No Line on the Horizon
08. Lily Allen - It's Not Me, It's You
07. Muse - The Resistance
06. Arctic Monkeys - Humbug
05. Manic Street Preachers - Journal for Plague Lovers
04. Animal Collective - Merriweather Post Pavilion
03. Yeah Yeah Yeahs - It's Blitz!
02. Florence and the Machine - Lungs
01. Kasabian - West Rider Pauper Lunatic Asylum

Assista ao ótimo Vlad The Impaler, música de trabalho de West Rider Lunatic Asylum:

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Nas asas de Radiohead

Pescando na internet, fisguei um álbum extemporâneo de uma dessas bandas sobre a qual muito pouco se sabe. Gosto de mistérios, da busca quase arqueológica diante do objeto desconhecido. Tentei uma pesquisa, cansativa, na rede mundial, mas esta pouco me ofereceu, deixando-me com uma ponta de decepção, como um detetive rendido pela falta de evidências no cenário do crime. Descobri pequenos rastros, informações esparsas. A banda, Monotalk, foi formada em Tel Aviv, Israel, e Fix me Up (2009) é o álbum de estréia, esse mesmo que me prendeu a atenção pelo lirismo e melodias cativantes. Para mim, um cândido achado que insistiu em se fazer presente na minha vitrolinha por vários dias seguidos.

Não pensem, porém, que Fix me Up seja a oitava maravilha do mundo, mas tem um encanto nato, como um inesperado e inventivo gol, e uma melancolia que me pegou de jeito. Talvez pela surpresa de Monotalk ter vindo de Israel. Talvez pelo fato de lembrar minha queridíssima Radiohead da época de Pablo Honey(1993) e The Bends(1995), daquele período em que Thom Yorke era mais pé no chão. Talvez porque esse trio israelita (Israel Erez, no vocal, guitarra e teclado, Yoav Alyagon, na guitarra e bateria, e Roy Regev, guitarra e samplers) tenha se doado tão inteiramente numa viagem musical poética sem grandes pretensões. Talvez também porque essa época natalina deixe a gente com o coração danado de mole, besta besta. O fato é que gostei.

Monotalk faz o mais puro indie rock. Desses carregados de atmosfera, sem ser porém estupefaciente ou chato, e até mesmo com ecos do pop. Aquela carga de melancolia impressa pelo Radiohead, com bateria comportada, guitarras pontuais e intervenções eletrônicas econômicas estão presentes em boa parte das músicas de Fix me Up. É o caso de “Full of Nothing”, o vocal meloso, pendendo para o dramático do afinado Israel Erez, acompanha a beleza da canção, que se ampara ainda em um bonito arranjo de cordas de violinos programado no teclado. A mesma doce melancolia dá o tom das também radioheadianas “I’ve Missing the Train to Nowhere”, de melodia cortante, e “Sometimes”, talvez a balada que mais lembre o referenciado grupo britânico.

Em alguns momentos, o trio foge da linha melódica do Radiohead e traça uma sonoridade mais pop e pessoal. “Absurd”, escolhido como primeira música de trabalho, é cool, com uma leveza e sinuosidade que aproxima a banda daquilo que fez, na década de 80, o ótimo Style Council. Mais roqueiras e animadinhas, “Check Your Pulse” e “The Bullfighter” aceleram nas batidas da bateria e na distorção das guitarras, apontando talvez um caminho futuro para essa galera de Israel. A honestidade e inspiração das canções de Fix me Up, além da boa voz de Isrtael Erez credenciam o grupo, acredito, para seguir em frente e se tornar uma referência mais clara e constante nos googles da vida. No mais, o álbum me deixou uma bela impressão, um gostinho de quero mais. Experimente esse som.

Cotação: 4

Aproveite o espírito natalino:

www.mediafire.com/?tjwf1eidzi5

Ouça e veja “Full of Nothing” na interpretação visual de Bulbul Azrak:

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os 16 mais de Zeca Camargo

E Zeca Camargo, o garoto do Fantástico, apresentou também sua lista dos melhores de 2009. Exagerado, ele não ficou nos dez álbuns. Enfileirou de cara 16 discos lançados este ano, incluindo compilações. E deu um aviso aos navegantes: ali nada é hierárquico ou definitivo. “A lista não está em nenhuma ordem de preferência. Os títulos selecionados não têm a menor pretensão de representar “os grandes discos de 2009” – é uma lista idiossincrática e que visa primeiro agradar a este que vos escreve.”, escreveu no texto introdutório. Colorida e festiva, a seleção é a cara de um Zeca sem fronteiras, que gosta da música do mundo e tem um pé em sons mais agitados, quer seja com batuque africanos ou guitarras mais pops. Esse é o mundo musical miscigenado do jornalista e também crítico musical que elegeu o disco The Boy Who Knew too Much, de Mika, um libanês radicado em Londres (o cara da foto), como o melhor do ano. Editei abaixo as justificativas de Zeca Camargo para as suas escolhas. Para quem quiser ler os textos do cara na íntegra é só ir em: http://colunas.g1.com.br/zecacamargo/2009/12/14/os-15-1-melhores-discos-que-voce-nao-ouviu-em-2009/

Segue a lista:

Maki Nomia e Fernanda Takai, Maki Takai no Jetleg – Uma parte Pato Fu, uma parte Pizzicato 5 – e uma boa dose de delírio!

Florence and The Machine, Lungs – Florence é a melhor voz de 2009, e suas composições são tão poderosas quanto suas cordas vocais.

The XX, The XX – Da estranheza de “Islands” à batida pseudo-dançante de “Basic space”, passando pela levada sutil e irresistível de “Night time”, o disco do XX é um verdadeiro tobogã.

Raks raks raks – 27 golden garage psych nuggets from the iranian 60’s scene (Vários)– Aqui você encontra 27 “pérolas” do pop iraniano dos anos 60 (esbarrando nos 70).

Cazumbi – Garage rock surf and psych howlers from the vaults of african colonies (Vários) –Como pude chegar até aqui na minha vida sem ter sido apresentado a “Aida”, “Murder by contract” ou “Manga madura”? Nem imagino…

Girls, Album – Girls são dois caras da Califórnia que aparecem justamente quando eu achava que o rock pop americano não tinha mais nada de bom para oferecer.

The Hidden Cameras, Origin: Orphan – Da faixa “In the na” em diante, você vai encontrar alguns dos arranjos vocais mais surpreendentes dos últimos tempos.

Golden Silvers, True Romance – Sempre tenho a esperança de que alguém, todo ano, vai reinventar o pop. Em 2009, os ingleses do Golden Silver foram os que chegaram mais perto dessa façanha.

The Very Best, Warm Heart of Africa – Para os que só descobriram que existia um país chamado Malauí quando Madonna foi lá adotar mais um filho, aqui vai uma introdução, digamos, mais interessante.

Micachu, Jewellry – O objetivo deles é pegar seus ouvidos e dar um passeio sem GPS. Cada faixa desse álbum de estréia tem pelo menos dois ou três desvios de percurso – e quem disso que você não vai junto?

Black Rio 2 – original samba soul 1968-1984 (Vários) – O que mais me deixa chateado é que a gente tem que fuçar numa biboca em Londres para achar uma coisa dessas que poderia muito bem ter sido compilada e lançada por aqui. Minha boca ainda está aberta, desde a primeira vez que ouvi essa compilação.

Natalia Lafourcade, Hu Hu Hu – Com um pé na experimentação e outro no pop, ela oferece (mais uma vez), músicas tão deliciosas como “No viniste”, a própria faixa-título (que mais parece uma oração), ou “Hora de compartir”.

Fuck Buttons, Street Horrrsing –A não ser pela segunda música, “Ribs out” (de inspiração… selvagem!), nenhuma faixa tem menos de sete minutos – e todas valem cada segundo tocado!

The Sound of Wonder (Vários) – Impossível aqui descrever rapidamente a mistura imprevisível de estilos e ritmos que a gente encontra em cada faixa.

The Big Pink, A Brief History of Love – O som dos ingleses do Big Pink é monumental – e tão irresistível que, só para dar um exemplo, eu desafio você a escutar o modesto “hit” “Too Young to love” e não querer dar “replay” no seu iPod!

Mika, The Boy Who Knew too Much – O mínimo que eu posso fazer para este que é um dos melhores exemplos de elaboração pop (sem falar nos arranjos que são os melhores de 2009), é escolhê-lo como disco do ano!

Veja clipe de "We are Golden" com Mika:

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Baianos envenenados

Pode pensar em qualquer tipo de remédio, quer sejam pílulas, ungüentos, xaropes, folhinhas rezadeiras, infusões ou reza braba. Difícil querer curar assim, na base do medicamento ou de misticismo, as dores de amor ou aquela paixão que insiste em deixar o pobre atingido tonto e febril. Essa lição básica está presente na música “Frascos Comprimidos Compressas”, que é também o nome singular do segundo disco da banda Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta. Esse sentimento tão essencial, banhado aqui em dendê e pimenta forte, é, na verdade, a tônica de um álbum provocador, autoral, que marca o retorno desses baianos que não abrem mão da inventividade. Os Ladrões de Bicicleta se inspiram nas mazelas e delícias do amor para voltar a exercitar sua sonoridade de assinatura própria, calcada um tanto no rock dos anos 70 e um muito no samba e na poesia torta.

Quando lançaram o primeiro CD em 2005, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta apresentaram sua mistura de samba e rock sem que esta pudesse ser classificada exatamente como samba rock, aquele gênero de swing irresistível que tem como representantes ídolos como Jorge Ben e Bebeto. Um belo trabalho que instigou a crítica e revelou um quarteto que curtia os sambinhas da antiga e a MPB evolucionista praticada por um Caetano Veloso e um Tom Zé tropicalistas, da fase em que estavam mais ligados em experimentações e ao rock. Essas referências marcaram a musicalidade da banda, o que pode ser sentido de forma mais clara nesse trabalho, forjado cinco anos depois da estréia. Uma gestação lenta, baiana (desculpe o estereótipo), que originou um álbum maduro, difícil de classificar e que para ouvidos menos treinados pode até soar estranho.

O primeiro impulso é querer definir Frascos Comprimidos Compressas como um disco de samba. Esse gênero, porém, é a base para que Ronei(voz e violão), Edinho(guitarra e teclados), Pedrão(bateria) e Sérgio(baixo) injetem suas influências roqueiras, destiladas quase sempre em guitarras distorcidas e venenosas. Caso da ótima “Você Sabe dessas Coisas (Nega)”, onde sambinha e distorção estão a serviço de uma melodia sinuosa, com ar de desalento, mas que tem, por mais contraditório que pareça, uma pegada forte. A sincopada “Quem Vem Lá” utiliza-se da guitarra delineadora e abusada para mais uma apropriação criativa do samba, numa cadência e linguagem que tem a cara da banda. Em ritmo ainda mais cadenciado, e com pinceladas de jazz, “A Respeito do Sono” é balada matadora com refrão memorável. Sem dúvida, uma das mais instigantes do álbum.

Esse samba esquentado pelas guitarras vira em Frascos Comprimidos Compressas um amálgama cheio de personalidade, um som autoral, hipnótico. As melodias arrastadas, e que te arrastam junto, as mudanças de andamento das canções, os climas viajandões criados por essa sonoridade inventiva diferenciam Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta da maioria dos grupos brasileiros. Até porque também os músicos não fazem muitas concessões. A modernidade que emprestam a músicas como a psicodélica “Azucrim”, uma das melhores do álbum, e a climática e também marcante “Vidinha”(veja clipe no final da postagem) pode desagradar a muita gente. Mas é um caminho estético de quem realmente maturou o som e sabe o que quer. Irrequietos, esses baianos cantam para quem prefere fugir do lugar comum.

A identidade musical do grupo é construída ainda em cima de uma poética objetiva e que tem no amor a grande inspiração. Em “Aquela Dança”, o papo é reto, mas sem perder a ternura: “O seu caminho é o carnaval/O meu não é um só”. Em “Tanto fez Tanto faz”, o letrista assume o simulacro das relações: “Se eu te entendo demais, tanto fez, tanto faz/ Palavras não seguem mesmo linhas retas”. Precisa, a poesia em “Ó Você Dizendo” é declaração amorosa criativa: “Parece que é prece, que é só ilusão/Parece que o coração vai parar/é prova de que preciso te amar/ Vou treinar esse mágica de vez”. Bom saber que essa turma tem uma preocupação, longe de ser esnobe, com estilo e linguagem. Inteligência nunca faz mal e Ronei Jorge prova com seu novo trabalho uma coerência incomum. Coisa de quem vê o mundo com generosidade, sem medo de se expor ou dar de cara no muro. Esses caras podem até se espatifar lá na frente com sua coragem, mas que vão deixar rastros, isso já deixaram.

Cotação: 5

Sinta os baianos em erupção, no control c control v:

http://www.mediafire.com/?vt2kytmj2tj

Assista o clipe de “Vidinha”:

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os 10 melhores da NME

As listas com os melhores discos do ano das principais revistas especializadas em músicas começam a surgir na internet. Eu, como um fã inveterado dessas discutíveis seleções, sempre as persigo. E vou reproduzi-las aqui no blog em pequenas doses, pílulas para aqueles que gostam de música e polêmica. A primeira delas é da revista britânica New Music Express, mais conhecida pela sigla NME. Ficaram de fora do top ten da publicação bandas badaladas e cultuadas como Franz Ferdinand, Sonic Youth, Arctic Monkeys, Wilco, Green Day, Muse, Echo and The Bunnymen e até os peso pesados que se reuniram para formar a aguardada Them Croocked Vultures. A banda inglesa The Horrors ( a banda da foto neste parágrafo), com seu Primary Colors(2009) lidera a lista. Para conhecer os 50 melhores acesse: http://www.nme.com/list/50-best-albums-of-2009/159978/

1.– The Horrors - Primary Colour
2.– The XX – The XX
3.– Yeah, Yeah, Yeahs – It’s a Blitz
4.– Wild Beasts – Two Dancers
5.– Animal Colective – Merriweather Post Pavilion
6.– Grizzly Bear – Veckatimest
7.– The Big Pink – A Brief Histoty of Love
8.– Fuck Buttons – Tarot Sports
9.– Fever Ray – Fever Ray
10.– Jamie T – Kings & Queens

Assista ao clipe de “Who Can Say”, do The Horrors:

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Cabeça é pra isso mesmo

Abri o sorriso diante da tela luzidia do computador escangalhado. Com puta satisfação e enorme curiosidade vi circulando livre pela internet dois álbuns, o segundo de bandas autorais que me impressionaram num passado recente e que agora voltaram a dar o ar da graça em bacanas registros fonográficos. Uma paulista, de nome arcaico, Numismata (essa que taí na foto acima), que chega com Chorume (2009). A outra baiana, de nome extenso e engraçado, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, despejando seu Frascos Comprimidos Compressas (2009). A boa notícia é que esses grupos, que causaram algum frisson no meio da galera mais antenada na época da estréia, retornaram com o mesmo pique criativo, experimentando seu som próprio e agudo, exemplar raro de quem faz rock e samba com o cérebro em ebulição.

Vou começar a fazer a festa falando do Numismata (na próxima postagem, entro cauteloso no universo alucinado dos baianos do Ronei Jorge), sexteto paulista cultuado desde que colocou no mercado alternativo o excelente Brazilians on the Moon (2003). Naquele ano, os caras foram incensados pela crítica especializada. E com justiça. O disco era um mergulho corajoso em nossas raízes sambísticas e emepebísticas, mas com injeções renovadoras de rock, psicodelia e afins. O que é melhor, com conhecimento de causa e boa levada instrumental dos músicos. Em Chorume, seis anos depois, a galera de Sampa amadureceu ainda mais essa linha musical. A bem definida opção estética, que mistura pesquisa e experimentos, aparece agora vestida de gala, num trabalho onde produção esmerada e refinamento andam de mãos dadas.

A psicodelia de “Todo Céu e Essas Pequenas Coisas”, que abre Chorume, mostra o cuidado do Numismata com os arranjos e instrumentos, que se repete em cada uma das canções do disco, nessa música de melodia forte e cinematográfica. A letra escancara com poesia e respeito uma São Paulo mundana, onde “cai a chuva fina misturada ao odor de urina velha e gasolina”. Dentro da proposta de casamento, não assumida pelo grupo, do rock, samba e MPB há ainda pérolas como “Prejuízo”, com a participação luxuosa do grande Luiz Melodia, que empresta vitalidade a essa composição que parece ter saído da própria lavra do negro gato, e que conta, reparem, com a guitarra solta e vibrante de André Vilela. Grande música, assim como a sacana “A Vida como Ela é”, uma marchinha carnavalesca apimentanda ainda mais pelo instrumental rocker do grupo e a alegria contagiante de Maria Alcina, outra fina participação.

Ver o respeito e a participação de ícones da MPB como Maria Alcina e Luiz Melodia no trabalho do Numismata só credibiliza ainda mais o som de uma banda que faz referências claras ao passado em sua música, mas mantém uma postura aguerrida ao acrescentar sem medo matrizes e influências estrangeiras. Ao mesmo tempo em que mostra reverência ao samba tradicional, como na bonita “Anhanguera”, ou brinca com competência de fazer valsa, com direito a orquestração de violinos, como na doce “A Passos Largos”, rende-se ao rock e a psicodelia, como nas bacanas “Tanta Saudade” e “Naif”, cuja intensa melodia lembra os também referenciais Los Hermanos em seus melhores momentos. E beliscam até o jazz, exemplo da ótima “Vira Latas”, onde o vocalista e tecladista Piero Damiani, em dueto com o ótimo Carlos Fernando (ex-Nouvelle Cuisine), uma das melhores vozes masculinas da MPB, arrisca o francês.

Essa permissividade criativa que junta rock, samba e MPB, acha-se afiadíssima em Chorume. E o mais legal ainda é perceber que a essa experiência bem realizada é acrescentada letras bem escritas e bem desenhadas. Bons e escaldados poetas do grupo revelam sua matiz urbana e sensível. Gente capaz de citar paulistas ilustres, reveladores da alma de São Paulo e seus cidadãos, como os compositores Geraldo Filme e Paulo Vanzolini, na pungente “Todo Céu e Essas Pequenas Coisas”. Capaz de versos acres como “Não vou mais me curvar ante a vastidão do mundo/não vou mais aceitar o beijo vil da morte” ou de serem diretos como na coalhada de antíteses “O Inferno e um Pouco Mais”, na qual provocam: “Eu não canto mais vitórias para não ser derrotado/ Eu não penso no futuro pra não virar passado/ Não faço o bem pra não sofrer o mal/ Não pulo mais o carnaval”. Sem dúvida, um dos grandes discos do ano. Que seja um sinal de que 2010 possa ser muuuito melhor.

P.S.: Numismata é Piero Damiani (voz e teclado), Adalberto Rabelo (guitarra e voz de apoio), André Vilela (guitarra e voz de apoio), Carlos H. (baixo), Carlos Russo (voz de apoio e percussão) e Felipe Veiga (bateria e percussão). Ah, para quem não sabe e tem aquela preguiça de correr até um dicionário e enriquecer o vocabulário, Numismata é o especialista na numismática, ciência que estuda e decifra moedas e medalhas, revelando origens, detalhes e material usado. Arqueólogos do passado e de pequenos tesouros. É, nossos amigos paulistas bem que podem ser enquadrados nessa categoria.

Cotação: 5

Todo o chorume do Numismata:

http://rapidshare.com/files/308718377/numismata_chorume.rar

Veja a engraçada "Das Tripas, Coração" com o Numismata:

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Faltou gás

Existe uma saudável compulsão do ser humano em buscar seu lugar ao sol. No universo da música, essa busca eleva-se ao quadrado e se dá no meio de uma competição pra lá de acirrada. Mas, entre as zilhares de bandas de rock que povoam o mundo, pouquíssimas conseguem a consagração, a glória de serem reconhecidas e adoradas por inumeráveis e alucinados fãs. Algumas delas fazem sucesso apenas no seu próprio terreiro. Outras, com a ajuda do santo forte, vão além de seus quintais e ganham as prateleiras das lojas de CDs em todo o planeta. E tem aquelas que quase chegam lá e, para ganhar o carinho do ouvinte, parecem ser capazes de vender a própria alma ao diabo. Esse é o caso dos escoceses do Biffy Clyro, que acabam de lançar o super comercial e equivocado, menos na linda capa, Only Revolutions (2009).

Pouca gente ouviu falar de Biffy Clyro. Conheci a banda por meio do interessante Infinity Land(2004), o terceiro da carreira, um disco ruidoso e que me causou boa impressão pelas melodias bem costuradas em meio ao peso rocker produzido pelo trio. O grupo passou a ser considerado “emergente” depois do relativo sucesso do álbum Puzzle(2007), que trilhava um caminho pop, um pouco mais a direita do que faziam antes. Only Revolutions seria então a prova dos noves, a afirmação da banda de que ela poderia se firmar de vez no mainstream. E o grupo capitaneado pelo vocalista Simon Neil seguiu nessa direção apostando numa produção mais acurada e com o auxílio do produtor Garth Richardson, que ajudou a produzir trabalhos de supergrupos como o fenomenal Rage Against the Machine.

E até que o Biffy Clyro tenta mostrar algum diferencial com a excelente “The Captain”, música que abre espetacularmente a mais nova empreitada dos escoceses. Épica e com arranjos de cordas que chega a lembra a pungência do Muse – banda para quem, aliás, o grupo está abrindo os shows internacionais – essa canção é a senha para um produto tecnicamente azeitado. E Only Revolutions se resume a esse apuro. Mas até que a galera tenta acertar a mão em canções razoáveis, como a bipolar “That Golden Rule”, que alterna dinâmica hardcore com momentos chá de camomila. Ou em “Bubbles”, com marcante mudança de andamento, e a balada “Many of Horror”, de refrão mais ganchudo.

Contudo, essas tentativas de acertos só reforçam o sentimento de que o pique criativo fica restrito a espasmos. O grupo envereda por uma seqüência de melodias que não engatam e se perdem no meio de uma maquiagem sonora que forçam uma empatia com o ouvinte. E tudo começa então a soar um tanto superficial e repetitivo. E você logo pensa: eita, essa aí tá querendo o sucesso a todo custo. É o caso evidente de músicas sensaborosas como “Whorses”, com sua batida bateria marcial, e as contidas “Know your Quarry” e “God & Satan”, que parecem com tudo aquilo que as bandas pos-grunges tentaram fazer, sem sucesso, após a referência deixada por Kurt Cobain. Pode até ser que Biffy Clyro toque um dia na trilha sonora da saga Crepúsculo, mas que eles deveriam rever seu conceito de música e buscar o vigor do rock acelerado e mais descerebrado que faziam antigamente, ah bem que deveriam.

Cotação: 3

Sinta o tempero do Biffy:

http://www.megaupload.com/?d=C9G66P50

Ouça a bacanuda The Captain:

sábado, 5 de dezembro de 2009

Cozinhando o aipim

Poucas raízes têm uma relação tão significativa e profunda com o Brasil quanto a boa e velha mandioca. Ou aipim. Ou macaxeira. Nomes diferentes para um tubérculo que é a base da alimentação dos sábios índios brasileiros. Aqueles que foram “descobertos” pelo “descobridor” das terras tupiniquins. É alimento barato, substancioso e que inspira, por seu sabor neutro, deliciosas mestiçagens gastronômicas (que tal um Escondidinho – mistura de mandioca, carne de sol e queijo -, aí?). O título do primeiro álbum do pernambucano Fernando S., Aipim não é Macaxeira(2009), tem esse sabor radical de um país mestiço, que sorve influências mas carrega inapelavelmente em sua essência a buliçosa alma verdeamarela.

Aipim não é Macaxeira, que me chamou atenção de cara pelo bem humorado título, é obra de arquitetura coletiva. Tem aqui trechos de trilhas de cinema, parcerias gestadas como um filho, lentamente, o baixo de um colega de batalha, a voz terna de uma amiga de guerra, o violão gravado ao vivo. O álbum, segundo Fernando S., foi parido em dois anos, no compasso do tempo de cada um dos participantes do trabalho. O resultado é complexo e multifacetado, como o Brasil, com estilhaços de rock, MPB e música eletrônica. Um caldeirão ao qual os irrequietos músicos pernambucanos, dos mais criativos do país, já estão acostumados.

O disco de Fernando S. é democraticamente dividido. Meio somente instrumental. Meio contando com as vozes de amigos do Rio de Janeiro e Recife. É também um tanto desigual, até porque se oferece generoso a interferência, melhor seria dizer cumplicidade, de tanta gente. O CD é orgânico nas faixas instrumentais, onde pode ser percebido, em vários momentos, referências ao rock dos anos 60 e 70 no som do autor. Na bela “Fenix”, por exemplo, que abre o trabalho, o cara utiliza-se de um órgão Hammond e de barulhinhos eletrônicos para criar uma atmosfera viajante, típica do rock progressivo, quebrada pela entrada rascante da guitarra.

As boas idéias sonoras e as melodias consistentes perpassam as músicas exclusivamente instrumentais. O piano e a guitarra de Fernando se dizem presentes lindamente na quase trip hop, a melancólica “A Falta de Estrela”, uma das melhores do álbum. Nessa direção temos ainda a também viajandona “Ao Redor”, com muito eco de baterias e utilização de efeitos bem característicos daquele outonal gênero musical. Tem cara de cinema com sua evocação de paisagens etéreas e carregadas. Mais rocker e interesante é “Salvatore”, com suas cordas pesadas substituídas, depois que cai a ficha do músico (“Caraca, viajei”, diz o cara no meio da composição), por uma guitarra mais melodiosa, bem anos 70, levada com competência pelo agregador do disco.

Se o dono do projeto acerta em quase todas as faixas instrumentais, o mesmo não se pode dizer daquelas em que pediu a força de amigos letristas. Músicas chatinhas como a jovemguardista “Vestido Azul”, com a participação da cantora Mary Gaspari que não ajuda com sua vozinha infantil a levantar a canção, e “Caminhante Dub”, com Bruno Muniz, do grupo Laranja Dub, no vocal desapontam. Em compensação temos o divertido rock brega “Ventilador”, com a voz personalíssima de Carlos Posada, da banda Bárbara e os Perversos, e, principalmente, “Naianga”. Gravada ao vivo, essa canção é interpretada com alma por um surpreendente Mani Carneiro (o cara da fotografia ai ao lado), cantor afinado e timbre marcante. Tocante, é MPB de rara estirpe, com letra e melodia de arrepiar, uma das mais lindas que ouvi no gênero esse ano.

Ouça "Naianga" com Mani Carneiro e Taynah:



Aipim não é Macaxeira é um ensaio de bom gosto, um álbum que se equilibra bem entre a brasilidade de seu som e as influências de ritmos estrangeiros. É uma carta de intenções de um músico que ainda pode nos dar grandes alegrias. Talento não lhe falta. Talvez falte direção, mas o cara já provou que pode ser um bom timoneiro. É, com certeza, uma bela aposta para o futuro.

Cotação: 3

Prove do aipim:

http://www.mediafire.com/?tknfwlmljyy

Veja o clipe de "A Veneza"