terça-feira, 3 de junho de 2008

Música maiúscula

O primeiro contato com Cida Moreira provocou em mim um misto de torpor e encantamento. Imberbe e estreando na grande metrópole de São Paulo, confundia-se em mim ao ouvir Abolerados Blues(1983) o espanto diante da grande cidade e a descoberta de uma música inconformada e em ebulição. Cida me escancarou as portas e janelas para a chamada vanguarda paulista. Depois dela conheci o grupo Rumo, o gênio Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, que apesar de ser de Londrina, fez base em Sampa.

De Abolerados Blues – onde a intérprete e atriz cantava desde música de cabaré, “Surabaya Johnny” até uma fantástica versão de Caetano Veloso para poema de Maiakovski, “O Amor” – até os dias de hoje, Cida viajou pelo universo da MPB mantendo sempre uma coerência e repertórios coesos. Seu último trabalho, Angenor(2008), traz porém a seleção mais equilibrada e refinada entre todos os trabalhos – um dos seus melhores, com certeza - já gravados pela artista.

Em Angenor, de Angenor de Oliveira, nome de batismo do ícone Cartola, Cida baila em cima de 16 canções do mestre. Foge de obviedades, como a clássica “As Rosas não Falam”, para apresentar um repertório que passa por clássicos indiscutíveis como “Cordas de Aço” e “Acontece” e vai de encontro a músicas desconhecidas e fantásticas, como a toada trágica “Feriado na Roça” e a linda “O Silêncio do Cipreste”. Tudo muito orgânico, graças a arranjos delicados, calcados em cordas de violão e piano e a voz soberba, maturada e sem os arroubos teatrais de outrora da cantora. É Cida inteira num álbum que traz à tona, com muita honestidade, a música maiúscula e atemporal de Cartola. Irrepreensível.

Vá, sem medo de ser feliz:

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Cotação: 4

Bendito tango

Só sei que sei muito pouco sobre tango. Sei muito que nós brasileiros, não se sabe porque cargas d’água, sempre vivemos de costas para os sons produzidos pelos nossos vizinhos sulamericanos. Uma tremenda burrada. Nossas antenas musicais, como Chico Buarque, Caetano e Milton Nascimento tentaram crossovers no passado visitando a praia lírica de Pablo Milanez, Victor Jara e Mercedes Sosa. Mais recentemente, bandas como Os Paralamas do Sucesso apresentaram grupos como Los Pericos e integradores como Paulinho Moska divulgaram nomes como Jorge Drexler e Luciano Supervielle . Muito pouco para o rico universo musical produzido pelos hermanos.

Às vezes fico com a consciência pesada com relação a esse desconhecimento. Se antes era difícil ter acesso à bagagem sonora da sulamérica, devido a um mercado voltado para produtos nacionais e cantores do mainstream norte-americano e europeu, com a internet a gente não tem desculpas para dar. E foi sapeando na grande rede que dei de cara com Daniel Melingo, um dos muito nomes argentinos que exercitam e renovam o mais radical e apaixonado ritmo daquele país.

De Melingo ouvi Maldito Tango(2007). Mas, o que dizer deste álbum se sei tão pouco sobre o tango? O fato é que meus ouvidos se extasiaram. A voz rouquenha e oldfashioned do argentino, que mistura a potência dos exímios e mui conhecidos intérpretes de outrora, como Carlos Gardel, ao despojamento de roqueiros subversivos como Nick Cave, impressiona pela entrega. Mas, não é isso que é o tango, pura entrega?

Melingo, um ex-roqueiro que fez sucesso em Buenos Aires na década de 80 com a banda Los Abuelos de la Nada visita a face mais tradicional do ritmo, como em “En un Bondi de Color Humo” e em “A lo Magdalena”, mas investe também em experimentações, como na estranha “Pequeno Paria”, com direito a teremin, e em profundas viagens melancólicas de tempero jazzístico e com belo arranjo de cordas, a exemplo da linda “Eco il Mondo”. Tudo sem ceder à tentação de modernizar sua música com toques de eletrônica. Mesmo assim, o tango de Melingo é moderno e subversivo, uma talentosa ponte entre tradição e contemporaneidade. Uma delícia de se ouvir.

Tangue-se:

http://www.zshare.net/download/1204083152887ae6/

ou:
http://www.evilshare.com/84c326c2-7380-102b-8d56-00a0c993e9d6

Cotação: 5